O retorno à Idade Média, ou O risco das superbactérias

Imagine a seguinte cena: um homem vai para o campo brincar com seu filho. Entre idas e vindas na correria do pega-pega, o sujeito pisa em falso em uma pedra, escorrega e sofre um pequeno corte nas costas. Como o chão é naturalmente sujo, as bactérias do solo entram no organismo do sujeito pelo corte e caem na corrente sanguínea. A ferida inflama e o cidadão cai na cama, ardendo em febre. Em pânico, tentam todo tipo de tratamento disponível. Sem resultado, o homem morre uma semana depois da inocente queda.

À primeira vista, parece o retrato de uma cena do século XIV. Afinal, ninguém morre hoje em dia por conta de um mero corte nas costas. Se fosse assim, nem eu, nem você, nem provavelmente boa parte da população mundial estaria aqui para contar a história. O que boa parte das pessoas não sabe é que essa cena não é algo tão remoto na história da humanidade. E, infelizmente, ela ameaça se tornar cada vez mais comum.

Foi em 1928 que Alexander Fleming saiu de férias e esqueceu algumas placas de cultura de microorganismos em seu laboratório. Ao retornar, reparou que uma delas havia sido contaminada por uma espécie de bolor. Curiosamente, na placa contaminada não havia mais nenhuma bactéria. Fleming chamou, então, seu colega de laboratório, Dr. Pryce. E ambos descobriram que o responsável pela morte das bactérias tinha sido um fungo de nome esquisito: Penicillium. Com base em muito trabalho e estudo, Fleming e sua trupe conseguiram isolar a substância produzida pelo fungou. Quase sem querer, ambos tinham descoberto a Penicilina.

Desde então, o homem pareceu a salvo do mundo microscópico. Toda vez que um corte ou uma infecção ameaçavam o sujeito, lá vinham os famosos antibióticos para salvá-lo. As intempéries da vida adquiriram uma conotação quase lúdica, pois o arsenal farmacológico só fazia crescer, e seria mais do que improvável que cenas como a relatada acima pudessem voltar a acontecer.

O problema, como sói acontecer nesses casos, é a soberba. Cientistas do mais alto gabarito se regozijavam com sua própria magnificência e se esqueciam de uma das teorias mais badaladas do mundo científico: a Teoria da Evolução.

De acordo com Darwin, as espécies submetidas a risco de extinção tendem a se adaptar para sobreviver em um ambiente hostil. Era, portanto, questão de tempo até que as bactérias causadoras de doenças pudessem passar por mutações que as tornassem virtualmente imunes à penicilina e aos demais antibióticos existentes na prateleira.

Claro que o uso indiscriminado de antibióticos e o mau uso por parte de médicos e pacientes acabou por acelerar esse processo. Seria demais pensar que cortes repentinos de tratamento ou o uso prolongado de um bactericida pudessem passar impunes aos olhos da Evolução. Em casos tais, as bactérias instaladas no corpo do paciente não são mortas em sua totalidade e terminam por adquirir resistência ao medicamento ministrado. Resultado: somente “superantibióticos” são capazes de destroçar os invasores indesejados do organismo.

Entretanto, já há algum tempo, nem mesmo o coquetel de medicamentos utilizado como último recurso para salvar um paciente tem mais dado conta do recado. De acordo com o governo britânico, 5 mil mortes ocorrem no país a cada ano por conta de infecções bacterianas que não conseguem ser controladas por medicação. Estima-se que na Europa morram 25 mil pessoas em decorrência da proliferação de superbactérias.

Mas isso não é apenas um problema europeu. Segundo a Organização Mundial de Saúde, dados de 114 países do mundo indicam que esse fenômeno é mundial. Dados da organização sustentam que a resistência aos antibióticos usados para combater a bactéria E. Coli, causadora de infecções urinárias, aumentou de praticamente zero em 1980 para mais da metade dos casos atuais.

Não foi por outra razão que o primeiro-ministro inglês, David Cameron, alertou ao mundo que, se medidas não forem tomadas, o mundo será lançado de volta à Idade Média da Medicina, em um cenário no qual todo o nosso arsenal de antibióticos não vai mais valer de nada. Infecções comuns e ferimentos simples, tratáveis à base de medicamentos há décadas, passarão a matar novamente.

Felizmente, o mundo parece estar começando a despertar para a ameaça. Com a coordenação da OMS, Estados Unidos, Japão, Europa e Canadá estão mobilizando cientistas e recursos na esperança de desenvolver alternativas viáveis para combater as superbactérias.

Espera-se apenas que a iniciativa não tenha tardado demais.

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1 Response to O retorno à Idade Média, ou O risco das superbactérias

  1. Avatar de André André disse:

    Muito bom o artigo, pois além de esclarecedor nos serve de alerta.

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