A modernidade é uma coisa formidável. Antes, para sabermos do que se passava no mundo, era necessário esperar a chamada do Jornal Nacional. Hoje, à distância de um clique, você tem acesso imediato à notícia. Da mesma forma, como os custos da telefonia eram proibitivos, a única coisa a fazer para se comunicar como alguém em outro país era por meio de cartas. Entre idas e vindas, um diálogo não demorava menos de um mês. Com o email ou por aplicativos como o WhatsApp, hoje a comunicação é instantânea.
Tudo isso, claro, devemos à nossa querida Internet. Mas, como tudo na vida, a net também tem seu lado ruim. E, no caso específico do português, ele se manifesta na forma de um vício de linguagem mais esquisitos que existe: o anarcoglotismo.
Não, não vá buscar nos dicionários o sentido da expressão. Trata-se de um neologismo que não terá lugar neles. Foi Elio Gaspari quem cunhou o termo e deu-lhe significado: a tentativa de comunicar-se em várias línguas e, ao mesmo tempo, não conseguir fazê-lo em nenhuma delas.
Não se trata de um fenômeno novo. Desde a popularização dos cursos de inglês na década de 80 e, com mais ênfase, na década de 90, o anarcoglotismo tem dado o tom das comunicações verbais, principalmente entre o público jovem. O que a Internet fez, nesse particular, foi potencializar uma tendência que já se insinuava há pelo menos 20 anos.
É bem verdade que os jovens não são os únicos responsáveis pela disseminação da praga. Quem se acostumou a ver “çábios” do mercado financeiro e administradores de grandes empresas dar entrevistas sabe bem do que estou falando. Houve um tempo, por exemplo, em que “demissão em massa” se chamava downsizing. E, quando o dólar disparava nas cotações, é porque estava havendo um overshooting.
O grande problema do anarcoglotismo é que ele viola o objetivo básico de toda a linguagem: comunicar-se. É dizer: de que adianta expressar-se em diferentes línguas se seu interlocutor não for capaz de compreender inteiramente a mensagem que você quer passar?
No afã de querer mostrar que sabe falar outra língua, o sujeito começa a enfiar termos ininteligíveis para quem não a conhece. Por trás do anarcoglotismo, portanto, esconde-se uma tentativa frívola de mostrar que “eu sei muito”, ou, pelo menos, que “eu sei mais do que você”. No final das contas, tudo se resume à vaidade.
Numa conversa informal, com amigos, não há problema em recorrer ao anarcoglotismo aqui ou acolá. Mas, em textos formais, fique atento para o uso de expressões em língua estrangeira. Sempre que possível, substitua-as por seu equivalente em português. Só recorra a elas quando for realmente indispensável à compreensão da idéia que você quer passar, isto é, quando não houver correspondente no vernáculo à expressão usada.
Porque respeito é bom, e nosso velho e bom português gosta.