O Febeapá

No Pensamento do dia de hoje, recordei-me de uma frase enunciada por uma das figuras mais fantásticas já produzidas pelo jornalismo nacional: Sérgio Porto. Nem todo mundo se recordará pelo nome, mas seu pseudônimo tornou-se inesquecível: Stanislaw Ponte Preta.

Carioca da gema, Sérgio Porto começou sua carreira jornalística no final dos anos 40. Passando pela revista Manchete e pelos jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca, Sérgio Porto firmou-se com seu estilo irreverente e seu faro aguçado para a sátira do cotidiano. Seu talento para a exposição do ridículo alheio era tão grande que ele chegou até a compor músicas satíricas, como o famoso Samba do Crioulo Doido, cujo título posteriormente se incorporaria ao vocabulário nacional como sinônimo de confusão sem tamanho.

De todas as criações de Sérgio Porto, no entanto, nenhuma foi maior do que o Febeapá. Acrônimo representativo do Festival de Besteiras que Assola o País, o Febeapá inaugurou um novo estilo jornalístico que, ao lado do Pasquim, representou grandes dores de cabeça para os milicos que governavam ao país.

Misturando notícias reais com o humor mais escrachado, Sérgio Porto – ou melhor, seu alter ego Stanislaw Ponte Preta – expunha em forma de crônica o absurdo do noticiário nacional. Quando os agentes da ditadura censuravam alguma peça, lá estava ele para anunciar:

Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 A.C.“.

Quando a burocracia inventava de criar alguma outra dificuldade ao pobre cidadão comum, Stanislaw Ponte Preta saía-se com essa:

E quando a gente pensava que tinha diminuído o número de deputados cocorocas, aparecia o parlamentar Tufic Nassif com um projeto instituindo a escritura pública para venda de automóveis. Na ocasião, enviamos os nossos sinceros parabéns ao esclarecido deputado, com a sugestão de que aproveitasse o embalo e instituísse também um projeto sugerindo a lei do inquilinato para aluguel de táxis“.

Denunciando a paspalhada da política nacional, Sérgio Porto não deixou passar um episódio que se tornou folclórico:

“Quando se desenhou a perspectiva de uma seca no interior cearense, as autoridades dirigiram uma circular aos prefeitos, solicitando informações sobre a situação local depois da passagem do equinócio. Um prefeito enviou a seguinte resposta, à circular: “Doutor Equinócio ainda não passou por aqui. Se chegar será recebido como amigo, com foguetes, passeata e festas”.

E, claro, a economia não poderia passar incólume ao Febapá:

“Julho começava com a adesão do Banco Central à burrice vigente, baixando uma circular, relativa ao registro de pessoas físicas, na qual explicava: “Os parentes consanguíneos de um dos cônjuges são parentes por afinidade do outro; os parentes por afinidade de um dos cônjuges não são parentes do outro cônjuge; são também parentes por afinidade da pessoa, além dos parentes consanguíneos de seu cônjuge, os cônjuges de seus próprios parentes consanguíneos””.

Fazendo uma compilação de suas crônicas, Sérgio Porto lançou três edições do Febeapá (1966, 1967 e 1968). Infelizmente, morreria em setembro de 1968. Se por um lado ele teve a felicidade de não ver o país desgraçado pelo AI-5, por outro deixou uma lacuna jamais superada na crônica jornalística. Com ele vivo, talvez a ditadura tivesse caído antes. E, certamente, ele se deliciaria escrevendo sátiras sobre os atuais ocupantes da ribalta política nacional.

Ah, que falta faz o Febeapá…

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1 Response to O Febeapá

  1. Avatar de Mourão Mourão disse:

    O Stanislaw Ponte Preta é sempre bem- vindo..

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