O fundamentalismo religioso, ou Deixem os humoristas em paz

Confesso que eu deveria ter escrito este post há mais tempo. Mas, com a pauta assoberbada por um monte de assuntos mais importantes, esse era o tipo da coisa que eu costumava sempre deixar de lado. Como as notícias dos últimos dias têm sido mais amenas e o único grande mistério do noticiário é saber se o avião malaio foi ou não parar na Ilha de Lost, hoje tentarei me redimir da omissão.

Nem todo mundo se lembra, mas não faz muito tempo que um jornal dinarmaquês resolveu publicar umas charges sobre o profeta Maomé. O resultado foi exatamente o esperado: uma onda de fúria que varreu os países do Oriente Médio, com direito até a retaliações comerciais do Irã à Dinamarca.

Até aí, mais do mesmo. Afinal, ninguém no mundo ocidental esperaria outro tipo de reação dos muçulmanos fanáticos, acostumados a impor pela força o respeito à sua religião. O que muita gente não percebe é que, deste lado do mundo, o fundamentalismo religioso também dá as caras.

No ano passado, por exemplo, o pessoal do Porta dos Fundos produziu um episódio que brincava com a figura de Cristo. Para quem acompanha a trupe, nem um dos melhores episódios era, mas era suficiente para dar umas boas risadas:

O então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marco Feliciano, resolveu fazer do episódio um cavalo-de-batalha para fomentar sua popularidade junto ao sectarismo cristão. Resultado: o pessoal do Porta dos Fundos resolveu fazer outro episódio, ainda mais engraçado que o anterior, tendo o deputado como mote:

Percebendo que sua cruzada anti-humorística dera com os burros n’água, Marco Feliciano deixou a galera que vive de exposição gratuita no Youtube pra lá. E, desde então, não mexeu mais com a turma.

No final do ano, no entanto, o pessoal do Porta dos Fundos produziu um especial de Natal satirizando o nascimento de Jesus. Se alguém pensava que o episódio anterior ensinara alguma coisa, enganou-se redondamente. A reação dos fundamentalistas cristãos foi ainda maior e pior do que antes. Além de campanhas na Internet para que os episódios fossem retirados do ar, humoristas do grupo passaram a receber ameaças de morte. A grita foi tanta que um dos seus principais membros, Fábio Porchat, fez saber à polícia a natureza e o conteúdo das ameaças, ao tempo em que pedia proteção ao aparelho estatal.

O que esses episódios mostram é que fundamentalismo não escolhe religião. Ou, por outro lado, a intolerância não tem preferência religiosa. Ela pode dar as caras em qualquer lugar, mesmo numa religião que prega a paz e o respeito ao próximo como valores supremos.

Falta àqueles que vêem na satirização de grupos como Porta dos Fundos a noção de que todo humor traz consigo uma forma subliminar de depreciação. O que o humorista faz é tentar mostrar o ridículo de nossas condutas, algumas tão naturais que nem nos damos conta de que existem. Essa é uma das razões pelas quais as imitações costumam fazer tanto sucesso.

É claro que existem excessos. Foi o que aconteceu, por exemplo, no fatídico episódio do filho de Wanessa Camargo. Mas, mesmo nesses casos, não convém recorrer à violência como forma de retaliação. Como ensinava Chico Anysio, só há dois tipos de humor: o com graça e o sem graça. No primeiro caso, não há nada a fazer. No segundo o caso, o tempo se encarrega de acabar com a carreira do sujeito. Foi exatamente o que aconteceu com o tal de Rafinha Bastos.

Quanto os fundamentalistas cristãos aprenderem que o melhor caminho a tomar quando se faz piada com Jesus é rir, quem sabe não possamos de fato evoluir.

Exatamente como Ele sempre quis…

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