Um dos mitos mais difundidos mundo afora é o de que o Brasil é uma democracia racial. Tendo sido o penúltimo país a abolir a escravidão e, assim como os Estados Unidos, um dos poucos países no qual se pode identificar de forma clara a cor de sua população presidiária, o mito sempre foi uma falácia. Afinal, no Brasil não havia racismo, mas sempre houve elevador de serviço.
Mesmo assim, o brasileiro podia se orgulhar ao dizer que, ao menos explicitamente, o racismo não dava as caras por aqui. Conquanto ele se manifestasse de forma enviesada nas entrevistas de emprego ou ainda no banal ingresso no ascensor, eram raros os casos de manifestação explícita de preconceito contra raças. Aqui e acolá apareciam idiotas exercendo preconceito contra nordestinos. No entanto, mesmo nesses casos, o racismo não dizia respeito à cor do sujeito, mas à sua origem geográfica.
Isso tudo agora é passado. Não bastassem os problemas que o Brasil enfrenta com a organização da Copa e o suposto legado que ninguém vai ver, deparamo-nos agora com a disseminação maciça do racismo no esporte brasileiro.
Desde o episódio ocorrido com o jogador Tinga, manifestações de racismo tem se disseminado com uma velocidade impressionante pelos estádios do Brasil. Ao pior estilo dos torcedores espanhóis, imbecis nas arquibancadas têm imitado sons de macaco e jogado bananas ao gramado. Pior. Nem mesmo os árbitros têm escapado da sanha racista. Que o diga Márcio Chagas da Silva, que teve seu carro arranhado, amassado e “recheado” com bananas após a partida entre Esportivo e Veranópolis, na cidade de Bento Gonçalves/RS.
Há quem defenda que episódios dessa natureza são “normais”; “Faz parte do jogo”, dizem os racistas travestidos de inconsequentes. Na míope visão desses sujeitos, a tentativa de desestabilização emocional praticada pela torcida é algo natural ao esporte, justificando proferir ofensas de quaisquer naturezas, aos jogadores, aos árbitros e às suas respectivas mães. É evidente que esse ponto de vista não pode ser aceito.
O preconceito de cor encerra a mais primitiva, e por isso mesmo a mais grave, forma de racismo que se possa imaginar. Ataca-se o sujeito em relação a uma circunstância inata: a coloração de sua pele. Ao contrário das outras formas de racismo – igualmente injustificáveis -, por trás do preconceito de cor não se encontra qualquer forma de denúncia ou reclamação contra uma ideologia, uma cultura ou um modo de pensar particular. Trata-se simplesmente de negar ao cidadão a condição humana pelo fato de ter nascido com determinada cor.
Haverá certamente quem vá produzir estudos sociológicos e antropológicos para explicar a razão pela qual o surto de racismo se abateu de forma tão repentina e dramática sobre o Brasil. Sem embargo do que os estudiosos vierem a concluir, a meu ver a questão passa pela degeneração das relações sociais no país, algo que já foi denunciado aqui. O descompromisso do cidadão para com o seu próximo, alimentada pela criminosa omissão dos poderes públicos em prover os serviços mais básicos à população, tem gerado um círculo vicioso segundo o qual pode tudo, porque nada irá acontecer contra ele, mesmo.
Mais do que estudar formas de punir os times cujas torcidas abrigam sujeitos dessa natureza, deveríamos estar em busca de maneiras de evitar que o racismo em si mesmo se propague. A universalização do ensino, sozinha, não resolve. Mais do que estudantes alfabetizados, precisamos de cidadãos educados, no sentido mais amplo da palavra.Já passou da hora de o Brasil despertar para esse problema.