A verdade sobre a esquerda brasileira

Desde Itamar Franco, o Brasil vem sendo sucessivamente governado por partidos autodeclarados de “esquerda”. Ainda que tenham se aliado à fina flor do conservadorismo mais reacionário do espectro político nacional, tanto PSDB – com o PFL – e o PT – com o PMDB – dispunham de uma linha programática identificada com a “agenda progressista”: distribuição de renda, intervenção do Estado na economia e justiça social. Se se mantiveram fiéis a esses programas, isso é outra história. Mas o fato é que, pelo menos do ponto de vista eleitoral, a “esquerda” tem dados as cartas no Brasil nos últimos 20 anos.

Boa parte do recente sucesso da esquerda nas urnas decorre do fracasso retumbante de dois governos claramente identificados com a “direita”, ou, pelo menos, com aquilo que o parco panorama político brasileiro entende como “direita” : Ribamar (mais conhecido como Sarney) e Collor. A isso se soma a aura mística que envolve uma corrente política supostamente identificada com os valores da juventude. Há, no inconsciente coletivo, uma imagem de que a “esquerda no poder” é sinônimo do “jovem no poder”. E o “jovem”, como sói acontecer, representa a superação de tudo aquilo que se entende como “velho”: corrupção, clientelismo e repressão.

No contexto nacional, ajudou a construir essa imagem de “mensageiros de uma Nova Ordem” o fato de muitos dos integrantes dos partidos de esquerda terem estado na linha de frente da luta contra a ditadura militar. Muitos dos próceres dos últimos 20 anos estiveram em algumas das organizações que mergulharam na luta armada contra o governo dos generais. Teve até gente que lutou na guerrilha do Araguaia, o maior movimento armado do interior do Brasil desde a Intentona Comunista.

Com ajuda do rejeição histórica ao regime de 64 e uma boa dose de marquetagem, muitos dos que fizeram a guerra armada contra a ditadura abrem hoje a boca para arrotar “que lutaram por um Brasil melhor” e pelo “retorno da democracia”. Fica-se com a impressão de que a “oposição ao regime” foi integralmente feita por militantes armados da esquerda. Quem não pegou em armas contra a ditadura ou era apoiador do regime ou consentia com os seus malfeitos. Infelizmente, o buraco é bem mais embaixo.

Que a ditadura militar foi uma verdadeira desgraça para o país, não há a menor dúvida. Mas daí a achar que quem lutou contra ela foram “campeões da democracia”, vai uma grande distância. Como bem apontou Elio Gaspari na série Ilusões Armadas, os integrantes dos movimentos paramilitares não lutavam para derrubar a ditadura, mas apenas para “trocar-lhe o sinal”: da direita para a esquerda.

Na verdade, atribui-se a essa verve antidemocrática boa parte da responsabilidade pelo fracasso de muitos dos movimentos armados contra a ditadura. No Araguaia, por exemplo, quando os camponeses se deparavam com um guerrilheiro, poucos se dispunham a apoiá-los. A maioria negava auxílio e, pior, dedurava a sua localização para as tropas do Exército. Somando-se a isso a brutal repressão dos militares, não é difícil entender por que nenhum dos movimentos armados de contestação ao regime conseguiu sucesso na sua empreitada.

Antes que alguém venha querer me patrulhar, deixo bem claro que não estou aqui a defender a ditadura militar. Quem acompanha o Blog sabe bem qual é a minha opinião sobre o regime de 64. A questão aqui é outra. É mostrar que o retorno da democracia ao Brasil não teve nada a ver com a guerrilha armada, urbana ou rural. Foi principalmente o concerto de gente “da direita” cansada de ver presidentes fardados no Planalto que produziu uma desconstrução ordenada do governo dos generais, garantindo uma transição pacífica de poder.

A verdade é que a democracia brasileira deve muito mais ao conservadorismo de figuras como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves do que àqueles que dizem ter lutado por ela durante o governo dos generais. Que isso fique bem claro para a juventude de hoje em dia.

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1 Response to A verdade sobre a esquerda brasileira

  1. Avatar de Mourão Mourão disse:

    Quanto ao Araguaia há muitas e muitas controvérsias.. Os “paulistas” contavam com a simpatia de grande parte da população locas, à qual apoiava de muitas maneiras assistencialistas. A deduragem, em boa parte, decorreu de estímulos financeiros ou de prssão. Neste último caso, use a sua imaginação.

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