Crônica de uma queda anunciada, ou Um desastre chamado Dinamite

Quem torce pelo Vasco amanheceu mais triste hoje. Ontem, mais uma vez, sacramentou-se o rebaixamento do time para a Série B. Pela segunda vez em apenas cinco anos, o Vasco deixa a elite do futebol nacional para juntar-se aos aspirantes à Série A. Consuma-se, assim, um desastre já anunciado desde o segundo turno do Brasileirão do ano passado. E o responsável pelo desastre atende por um nome verdadeiramente explosivo: Roberto Dinamite.

Ainda lembro como se fosse hoje. Quando Eurico Miranda foi defenestrado em 2008, todo mundo celebrou a ascensão de Roberto Dinamite. Botafoguense de origem e de coração, Dinamite foi o maior ídolo da história do time. Mesmo os mais novos que só conhecem o Vasco dos tempos de Edmundo hão de saber a trajetória do maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro (190 gols). A despeito da celebração geral, este que vos escreve – cético como só ele – colocara as barbas de molho. Muita coisa indicava que Dinamite poderia não ser exatamente a solução sonhada pelos vascaínos.

Assim como Eurico Miranda, Dinamite aproveitara sua projeção no Vasco para capitalizar eleitoralmente sua fama. Depois de aposentar-se da carreira de futebolista, elegeu-se sucessivamente vereador e deputado estadual no Rio de Janeiro. Tal como alguns companheiros de profissão, enfrentou denúncias até hoje não inteiramente esclarecidas no desempenho da função.

Mesmo assim, foi-lhe concedido o benefício da dúvida. Afinal, ainda que tivesse contas a ajustar com a Justiça, nada poderia ser pior do que a continuidade de Eurico Miranda. Cavalgando uma coligação de gente farta dos desmandos na Nau Vascaína, Dinamite conseguiu o apoio da maioria dos sócios para destronar o então Todo-Poderoso mandatário de São Januário. Contou também com o apoio decisivo de Sérgio Cabral, vascaíno doente, sem o qual jamais teria conseguido capital político para assumir os comandos do time.

Logo na chegada, Dinamite premiou a torcida com o rebaixamento de 2008. Até aí, tudo bem. Como assumira o time já encaminhado à Segundona, toda a culpa pela queda foi debitada na conta de Eurico Miranda. O discurso, daí por diante, era o da “reestruturação do time”.

Por algum tempo, a estratégia deu certo. O Vasco ganhou o Brasileirão da Série B, voltando à elite em 2009. Após um ano pífio em 2010, o time conseguiu montar um bom elenco e ganhou o inédito título da Copa do Brasil em 2011. Na sequência, o Vasco – já com Juninho Pernambucano de volta ao time – fez uma campanha brilhante no Brasileirão daquele ano. Mesmo com a perda do técnico Ricardo Gomes no meio da temporada, o time ainda terminou o campeonato na segunda colocação (terminaria em primeiro se não fossem os erros de arbitragem, mas deixa pra lá).

Já em 2012, embalado pelo bom ano de 2011, o time teve um início avassalador no começo do Brasileirão. Melhor que isso. Chegará às quartas-de-final na Libertadores, algo que não acontecia desde a conquista de 1998. Tudo parecia caminhar para um ano de redenção suprema em São Januário.

Parecia. A fatídica derrota para o Corinthians, no jogo que ficou famoso pelo gol perdido de Diego Souza, decretaria a virada de fio do time. Dali por diante, o que se assistiu foi uma queda assustadora. No segundo turno do Brasileiro, o Vasco fez campanha de rebaixado. Terminou em quinto graças à campanha do primeiro turno. Se dependesse do segundo, teria ficado em décimo sétimo.

À queda de produção seguiu-se o desmanche do time. Diego Souza, Prass, Fágner, Alan, Rômulo e Nilton foram vendidos. Sem garantias de um time competitivo que recebesse em dia, Juninho usou toda a sua faceta de Pernambucano e foi-se embora pros Estados Unidos. Até Dedé, símbolo da identificação do time com a torcida, foi vendido na bacia das almas para pagar os salários atrasados do elenco. De uma hora pra outra, a base do time que encantara a torcida foi desfeita.

Como se isso não bastasse, as reposições não poderiam ter sido mais infelizes. Só mesmo no Vasco de Dinamite jogadores como Cris, Renato Silva e Wendel têm vez. Pior que isso, só mesmo o gol, para o qual o time contratou três goleiros (Alessandro, Diogo Silva e Michel Alves) que, somados, não valem por meio.

Se no campo o time não inspirava muita confiança, fora das quatro linhas Dinamite cuidava de fazer a sua parte no processo de implosão do time. Com as contas desorganizadas, o Vasco passou o ano inteiro sem receber dinheiro dos patrocinadores, pois as quotas foram penhoradas para pagar dívidas passadas. Aliás, foi justamente por causa disso que Paulo Autuori  resolveu pegar o boné e ir-se embora. O treinador fixara o prazo de três meses para resolver o problema. Como a direção do Vasco não conseguisse acertar-se com os credores, Autuori achou melhor perder a cabeça do que perder o juízo.

Com a segunda queda em cinco anos, Dinamite bateu, sozinho, o desonroso recorde que pertencia ao Palmeiras (dois rebaixamentos em dez anos). Agora, sem a desculpa de ter pegado o bonde no meio do caminho, Dinamite não tem como creditar o desastre na conta de Eurico Miranda. Terá de fazer algo com o qual ainda não se acostumou desde que assumiu a presidência do Vasco: assumir a responsabilidade.

Como desgraça pouca é bobagem, Dinamite conseguiu a suprema façanha de ressuscitar Eurico Miranda. Quando todo mundo pensava que ele, assim como Figueiredo, deixara a presidência do Vasco e partira pro esquecimento, eis que Eurico ressurge todo faceiro e serelepe dando entrevistas a torto e à direita, falando de seus “projetos” para o time quando “reassumir” em 2014. Se Dinamite se elegeu com a promessa de novos tempos, hoje seu maior legado será trazer de volta o passado na forma de Eurico Miranda.

Não faz mal. A esta altura do campeonato, tanto faz se o time será comandado por Roberto Dinamite ou por Eurico Miranda. Imiscíveis no passado, hoje já não se pode distinguir um do outro. São duas facetas de uma ficha que, como o Vasco, começa a cair na cabeça do torcedor.

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3 respostas para Crônica de uma queda anunciada, ou Um desastre chamado Dinamite

  1. Mourão disse:

    Posso comentar, pois somos, em bandeiras diferentes, companheiros de infortúnio. Não sabia que o Roberto era botafoguense de origem. Um outro ponto é que não entendi a influência do lado pernambucano( com p minúsculo mesmo) no fato de o Juninho( craque mesmo) ter ido jogar nos EUA. Por fim, é válido que se destaque que Flu e Vasco tiveram grandes dificuldades na renegociação de dividas para com o erário, bem diferentemente com o que ocorreu com o Fla. Ou estarei enganado?
    Como consolo, poderei ver o nobre aristocrata olhando para algo de segunda.
    Saudações de um sofredor( momentâneo).

    • arthurmaximus disse:

      O Framengo sempre foi um caso à parte, Comandante. Eis aí mais um dos grandes “mistérios” do futebol nacional. E nos consolemos com a perspectiva de mudanças em 2014. Um abraço.

  2. Pingback: A eleição de Eurico Miranda, ou Um desastre chamado Dinamite – Parte II | Dando a cara a tapa

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