Melhor notícia não poderia haver.
Cansados, estressados e revoltados com o descaso da CBF, alguns jogadores da elite do futebol nacional resolveram criar o Bom Senso Futebol Clube. Liderados por Paulo André, do Corinthians, Juninho Pernambucano, do Vasco, e Alex, do Coritiba, o Bom Senso FC já está abalando as estruturas do carcomido poder do futebol nacional.
O levante já se prenunciava há tempos. Até mesmo Ronaldo, hoje um ilustre integrante do Comitê Organizador Local, tentara algo semelhante quando voltou ao Brasil em 2009. Mas, na época, não havia massa crítica suficiente para detonar a revolta. Faltava um empurrãozinho das estruturas. E ele veio com a programação do Calendário da CBF de 2014.
Como todo mundo sabe, ano que vem tem Copa no Brasil. Programada para acontecer entre junho e julho, o evento da Fifa ocorrerá em paralelo ao Campeonato Brasileiro. Embora a competição pare durante a Copa, não haverá interstícios entre uma e outra. Sem descanso no meio do ano e sem nenhuma perspectiva de férias no começo dele – por conta dos Estaduais -, os jogadores viram o terror se confirmando: um ano inteiro de disputa sem interrupções, com direito a Copa no meio dele.
Que o calendário desportivo nacional é um desastre, não é novidade pra ninguém. Competições sobrepostas e jogos em sequência detonam qualquer atleta. O desgaste fisiológico de uma partida de futebol, com momentos da parada alternando-se a piques intensos, é enorme. Se isso é um problema para jogadores novos, em começo de carreira, que dirá para trintões como Seedorf, Alex e Juninho Pernambucano, que hoje compõem a elite do futebol nacional. Fisiologistas indicam que seria necessário pelo menos 5 dias de intervalo entre duas partidas para assegurar aos atletas reposição integral do desgaste e mitigar os riscos de lesões. Hoje, com jogos às quartas-feiras e nos finais de semana, o período de descanso não ultrapassa os 3 dias.
Em 2003, houve uma tentativa, embora tímida, de trazer racionalidade para uma área tão desprezada pela insensatez dos dirigentes. Mudou-se a forma de disputa do Campeonato Brasileiro para pontos corridos. Além disso, integrou-se as chamadas “datas-Fifa” ao calendário. Com isso, as datas marcadas para competições e amistosos oficiais da Fifa não bateriam com a tabela do Brasileirão. De uma só tacada, impedia-se o desgaste excessivo dos jogadores convocados e não se prejudicava os times que cediam seus jogadores à seleção. Era pouco, mas pelo menos se apontava na direção de melhores
Nos últimos tempos, no entanto, até mesmo essa parca dose de razão lançada ao calendário foi jogada fora. Pululam os casos de jogos da seleção que “batem” com a tabela do Brasileiro, prejudicando a um só tempo clubes e jogadores. O Calendário de 2014, portanto, foi só a gota d’água nesse caldeirão.
Contando com o apoio de 75 jogadores da elite nacional, o Bom Senso FC encontrou desde logo resistência, seja na forma de eloquente silêncio – como a ausência da assinatura no seu manifesto de personagens como Ronaldo Gaúcho -, seja na forma de protesto das entidades de classe – até então subservientes à insana política da CBF. O grande patrocinador da competição – a TV Globo – também olha de esguelha para o movimento. Não lhe interessa conspurcar um ambiente que lhe rende audiência e lucro desde sempre, com a cumplicidade conivente dos dirigentes de clubes. Não à toa, até agora ninguém viu notícia sobre o assunto senão na Internet.
Mesmo assim, o movimento tende a ganhar força. Com o apoio de técnicos e ex-jogadores como Romário, daqui a pouco não será mais possível fechar os olhos para o Bom Senso FC. A CBF, hoje se fingindo de morta, terá de sentar à mesa para negociar o calendário de 2014. Com alguma sorte, é possível que o time dos sensatos consiga promover mudanças ainda para o ano que vem.
Se não conseguirem, não faz mal. A própria organização da instituição e o seu manifesto já são prova de que, assim como o restante da população, também os jogadores de futebol cansaram de ser tratados como gado.