O ataque à Síria

Há mais ou menos um ano, depois de muito relutar, este que vos escreve deitou algumas palavras sobre a questão síria. Dizia eu, então, não sem alguma dose de desdém, que o que se passava na Síria era mais do mesmo daquilo pelo qual passou meio Oriente Médio: revoltas populares, movidas pela aversão ao ditador de plantão.

Ao contrário do que dizia boa parte da mídia, defendi aqui que Assad não cairia tão cedo. Enquanto os “especialistas” prenunciavam sua queda em questão de dias, semanas talvez, afirmei textualmente que Assad deveria se segurar no cargo “pelo menos até o final do ano”. Superando a mais pessimista das previsões, Assad ainda continua dando as cartas por lá.

Assim como se passou na Líbia, Assad parecia que tinha virado o jogo. Embora fustigado por mais de dois anos de guerra civil, a repressão maciça e impiedosa aos rebeldes e à população simpática aos rebelados tinha conseguido ao menos frear a perda territorial à oposição. Poderia não ser o suficiente para esmagar a revolta, mas certamente serviria pelo menos para conduzir o impasse político a um “empate”: os rebeldes desistiriam de derrubar Assad e ele, em troca, negociaria algum tipo de transição política, ainda que se mantendo no cargo. Da mesma forma que aconteceu com Khaddafi, o ditador sírio não cairia senão por intervenção externa.

No entanto, assim como aconteceu na Líbia, Assad confirmou seu talento ao atravessar a rua para escorregar na casca de banana que estava na outra calçada. Ao usar armas químicas contra a população civil, Assad cruzou a última fronteira que as potências ocidentais estavam dispostas a aceitar. Pior que isso. Tirou da Rússia – sua solitária aliada – o único argumento em defesa da manutenção de Assad: a possibilidade de as armas químicas do arsenal sírio caírem nas mãos de rebeldes, sobre os quais não recaem as maiores simpatias na comunidade internacional. Repare que os russos não defendem Assad nem questionam a ocorrência do ataque químico. Apenas colocam em dúvida quem as teria lançado: os rebeldes ou o governo sírio. Como os rebeldes nunca conseguiram ter acesso ao arsenal de Assad, fica fácil responder quem foi o responsável pela atrocidade.

Agora, o jogo está jogado. Um ataque militar à Síria é questão de dias, senão de horas. Mesmo a oposição russa não será capaz de impedir o bombardeio de posições militares de Assad na Síria por Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra e quem mais for. Engolir passivamente o uso de armas químicas depois de essa ser considerada a “última fronteira” a ser ultrapassada significaria a sua completa desmoralização. E isso é algo que os americanos jamais irão aceitar.

Seja como for, a questão agora não é mais saber se e quando o ataque irá ocorrer, mas a sua extensão. Em outras palavras, o que importa saber é se o ataque aéreo maquinado pelas potências ocidentais será suficientemente destruidor para desequilibrar a balança da guerra civil síria em favor dos rebeldes. Tirando como exemplo o que se passou na Líbia, não se descarte também a possibilidade de os franceses proverem armas à oposição a Assad. Tudo isso, claro, em nome do “respeito aos direitos humanos”.

O problema, como já se viu ao longo dos últimos dois anos, é que intervenções estrangeiras em países do Oriente Médio seguem o mesmo rito das CPIs no Brasil: todo mundo sabe como começa, mas ninguém sabe como termina.

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