Todo mundo deve estar acompanhando no noticiário o imbróglio envolvendo a empresa Siemens e o Estado de São Paulo. Após firmar um acordo de leniência com o Cade, a Siemens teria se comprometido a entregar um esquema de cartel pelo qual, ao lado de suas concorrentes, combinava preços e dividia obras de modo a tirar do Estado a maior quantidade de dinheiro possível.
Os detalhes do caso ainda não são inteiramente conhecidos, pois o processo corre em sigilo. Mas se há algo sobre o qual ele pode, desde logo, é desmitificar uma lenda sobre algo que muita gente boa não lembra ou se esquece de observar: a de que o setor privado é mais “puro” do que o setor público.
Do ponto de vista da natureza humana, o raciocínio nunca fez muito sentido. Afinal, se a corrupção é do homem, ela pode atingir tanto quem esteja no setor privado como quem esteja no setor público. A menos que se queira entender que os ocupantes de cargos nas carreiras privadas formam alguma espécie de casta sobre-humana, não há, em princípio, razão para acreditar que nelas haverá honestidade de conduta maior do que aquela presente nas carreiras públicas. Exemplos espalhados pelo mundo não faltam: desde o caso da quebra da Enron, passando pela pirâmide de Bernnie Maddoff até chegar na farsa das agências de classificação de risco, só para citar os casos mais recentes.
Uma das hipóteses a justificar a noção generalizada de que a corrupção no setor público é maior do que a no setor privado é o fato de que, no primeiro caso, a atração da imprensa é muito maior. O apelo natural do uso indevido “do seu, do meu, do nosso dinheiro” sempre dá uma boa manchete. Toda vez que um malandro do governo é flagrado com a boca na botija, espraia-se um sentimento generalizado de indignação, como se o cidadão houvesse acabado de ser roubado.
Curiosamente, pouca gente se dá conta de que, se há corrupção do lado do governo, há um agente corruptor por trás. Enquanto o primeiro normalmente cai em desgraça e é demitido e/ou enxovalhado, os corruptores permanecem nas sombras. É justamente isso que explica o fato de que, entra governo, sai governo, e os escândalos mais ou menos se repetem.
Na verdade, por definição a corrupção no governo tende a ser menor do que a no setor privado. Isso porque a natureza pública dos recursos impõe uma série de restrições que tornam mais difícil a tarefa de desviar dinheiro. Enquanto a ordenação de qualquer despesa no setor público tem de encontrar, por mínimo que seja, algum fundamento legal, o gasto no setor privado não obedece a qualquer critério preexistente, senão a própria vontade do dono do negócio.
Fora isso, os mecanismos de fiscalização são muitos e de vária ordem, em níveis diferentes do Estado. Por exemplo: uma verba federal destinada à construção de uma creche numa cidade do interior é fiscalizada pelo Tribunal de Contas dos Municípios, pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União. Isso tudo e mais a Câmara de Vereadores e o Ministério Público, estadual e federal. Numa grande empresa, o máximo de fiscalização será aquela do Conselho Fiscal e alguma eventual auditoria contratada por fora.
Pra piorar, as irregularidades cometidas dentro de uma grande empresa tendem a ficar entre quatro paredes. Se um agente público superfatura uma obra, isso constitui crime e o sujeito será processado pelo Ministério Público. Se um agente privado paga a mais por uma obra, no máximo será demitido, pois, em princípio, não há qualquer bem público violado que justifique, por exemplo, uma intervenção do MP. Da mesma forma, se uma banca de concurso de professor de uma faculdade pública resolve favorecer um candidato, os prejudicados podem eventualmente anular a decisão judicialmente. Se a mesma coisa acontecer numa faculdade privada, os prejudicados poderão no máximo sentar no meio-fio e chorar. No setor privado, a cor dos olhos pode ser fator decisivo para a contratação, independentemente do mérito do candidato.
Por isso, desconfie dos ultraliberais que defendem coisas como “Estado mínimo” ou “menor intervenção do Estado na economia”. No final das contas, eles querem apenas operar livremente e aumentar o espaço de imunidade para suas tramóias. Longe dos olhos do público, tenebrosas transações se escondem por trás das cortinas. É o que o caso da Siemens está a demonstrar.
Por partes, meu caro Senador. Partindo do fim para o começo, de fato essa história de Estado mínimo, tão a gosto de boa parte da mídia para defender cortes nos gastos públicos, mesmo dos salários, muitas vezes já achatados, é uma tentativa de carrear mais dinheiro para para os empresários, independentemente dos prejuízos causados à coisa pública.
Porém, meu caro, quando a corrupção somente envolve entes privados, mediante artifícios desonestos nas concorrências entre eles, o Estado nacional não é vilipendiado. Diferentemente isso se verifica quando entra o agente público, caso em que o Estado e, por via de consequência, o contribuinte é lesado. Afora isso, embora não haja por certo maior honestidade na iniciativa privada, cada empresa deste setor precisa se proteger de ações ilícitas de seus empregados, pois são os donos(sócios) que pagam os prejuízos do próprio bolso. Acrescente-se que não há lógica de a empresa privada conviver com empregados improdutivos, incompetentes, apadrinhados, nem muito menos de seus dirigentes desviarem os próprios recursos para beneficiar, por exemplo, o poder público, coisa .que ocorre em situação inversa. Alem do que ,se o regime é capitalista, o mundo econômico, com poucas exceções, deve caber à iniciativa privada.
Voltando ao tema corrupção propriamente dito, o episódio, e você muito bem demonstrou, serve para evidenciar o que tanto se omite no Brasil: o empresário, mais ainda empresário de país desenvolvido, pratica corrupção descaradamente. O que demonstra serem as leis rígidas, que atingem o patrimônio dos pequenos e grandes larápios que roubam o Estado ,e tribunais sérios, cuja composição não é influenciada por critérios da baixa politicagem, os fatores que realmente inibem o crime econômico e não a badalada honestidade dos gringos em comparação com a roubalheira congênita dos brasileiros.
Pra frente, Senador.
De fato, Comandante, quando a corrupção fica restrita aos círculos privados, o problema é deles; a população, em princípio, não tem nada a ver com isso. O que quis demonstrar foi que a pretensa “pureza” e “eficiência” do setor privado ante o setor público é uma grande falácia. Até porque, como bem sabemos, não há corrupção no Poder Público sem que, na outra ponta, esteja alguém do setor privado o corrompendo. Um abraço.