A dificuldade na mudança dos paradigmas

Todo mundo sabe que a filosofia nasceu na Grécia antiga. Com muito dinheiro no bolso e escravos para os afazeres domésticos, os gregos passaram a se ocupar de uma coisa que parece banal para a maioria da população: pensar. E, pensando, revolucionaram a crônica do conhecimento humano.

Numa dessas viagens filosofais, os gregos estabeleceram como pressuposto para o início de qualquer discussão a adoção de um modelo, de maneira com que todos concordassem pelo menos em relação a determinados pontos básicos da discussão. Um exemplo: para concordar em relação à análise de um acidente automobilístico, os peritos – ou intérpretes do acidente – devem estar de acordo pelo menos em relação a uma coisa: seja qual for a dinâmica dos automóveis envolvidos no sinistro, ambos seguiram uma trajetória que pode ser descrita de acordo com as leis da física newtoniana.  A esse modelo básico tomado como referência para qualquer outra discussão os gregos deram o nome de paradigma.

Os paradigmas, de fato, são imprescindíveis em qualquer ramo do conhecimento. No caso do acidente acima citado, se os peritos não puderem concordar pelo menos quanto à aplicação das leis da física, discutir todo o resto será simplesmente exercício de frivolidade. Da mesma forma, não se concebe dois juristas discutindo o âmbito de aplicação de uma norma se eles não puderem concordar no mínimo quanto ao sentido vernacular do texto. Do contrário, cai-se numa babel fútil e não se chegará a lugar algum.

Todavia, da mesma forma que os paradigmas são ferramenta indispensável mesmo no dia-a-dia dos cidadãos, eles também exercem, ao reverso, uma atração irresistível para um estado de inalterabilidade geral das condições preestabelecidas. É como se o paradigma fosse dotado de um sistema de sobrevivência que inibisse qualquer alteração em suas medidas. Na medida em que qualquer coisa sai de um padrão já universalmente aceito, a reação natural do sujeito é dar de barato que há algo de errado no raciocínio. É dizer: se os fatos não suportam a teoria, mudem-se os fatos.

Por isso mesmo, praticamente em todas as vezes que um paradigma foi quebrado, o sujeito responsável pelo abalo nas estruturas entrou pro panteão dos maiores gênios da história. À crença de que a Terra era o centro do universo e que o Sol girava em torno dela, Copérnico estabeleceu que na verdade era a Terra quem girava ao redor do Sol, e que ela não era nada além de mais um ponto azul no espaço infinito. Da mesma forma, quando Eistein estabeleceu que espaço e tempo eram relativos e a única coisa absoluta no Universo era a velocidade da luz, meio mundo pensou que ele enlouquecera. Não passava pela cabeça da maioria simplesmente imaginar que as leis aplicadas há séculos não tinham mais qualquer valor. A força do paradigma os impedia de ver os fatos diante de seus olhos.

Claro: esses dois exemplos são emblemáticos e, olhando-se em retrospecto, é muito fácil apontá-los como casos de quebra de paradigmas. No entanto, há muitos outros paradigmas estabelecidos que estão pra cair, mais dia, menos dia, e que pouca gente se dá conta. De tão banais e incorporados ao cotidiano, a maioria das pessoas sequer se dá conta de sua existência. Simplesmente aceitam a sua aplicação e o replicam mecanicamente. Vamos a dois exemplos:

O primeiro deles é justamente aquilo que você usa para ler este texto: os computadores. Desde quando Alan Turing produziu os princípios da computação moderna, os computadores avançaram de forma assustadora e hoje cabem literalmente na palma da mão. No entanto, algo segue o mesmo padrão desde sempre: os computadores produzidos nos anos 50 eram capazes de quebrar códigos militares e lançar foguetes. Hoje, temos máquinas menores e mais possantes. Mas, ainda assim, temos computadores capazes de quebrar códigos criptográficos e dar início ao holocausto nuclear. Ninguém parou pra se perguntar o seguinte: quem precisa de computadores capazes de tais proezas?

O segundo é ainda mais prosaico. Seu avô, seu pai e você foram a uma escola na qual se aprende de tudo um pouco: física, química, biologia, português, história e etc. Muito provavelmente, seus filhos irão ao mesmo tipo de escola. Salvo o meio de transporte – do cavalo ao carro, passando pelo bonde – nada mudou. A sistemática e o conteúdo do ensino permanecem os mesmos desde sempre. Ninguém se pergunta, entretanto, qual a serventia de ensinar a alunos física nuclear ou matemática do caos. Quem irá aplicar esses conhecimentos em suas vidas, senão aqueles que forem seguir, respectivamente, as carreiras de físico ou de matemático?

Assim como em todos os outros casos, os paradigmas estabelecidos nos deixam cegos para enxergar a absurdez das coisas presentes. E, tal qual nos casos anteriores, no dia em que surgir alguém  para propor sua substituição por um modelo mais racional, será alçado à condição de grande pensador da humanidade. A única coisa a saber é quem serão os escolhidos.

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