A redução da maioridade penal

Se há algo certo no Brasil é que as discussões públicas são cliclotímicas. Uma hora, todo mundo acha que está tudo errado, que tudo precisa mudar e que o país não tem jeito. Passado o momento de crise, o desespero por mudança vai embora, a discussão se esvanece e tudo continua na mesma. Exemplo mais bem acabado desse comportamento bipolar é o debate acerca da maioridade penal.

Em 2007, Rosa Cristina Fernandes voltava para a casa com seus dois filhos: uma menina de 13 anos e um garoto de 6. Ao parar em um semáforo no subúrbio do Rio de Janeiro, Rosa Fernandes foi abordada por três homens armados. Os assaltantes queriam levar o carro, um Corsa Sedan, e mandaram Rosa Fernandes sair do veículo. Rosa desceu do carro. Sua filha, Aline, no banco de trás, retirou o cinto de segurança e também saiu. Seu filho mais novo, no entanto, ficou preso ao utensílio quando tentou sair do carro. Sem se preocupar com o menino atado ao cinto, os ladrões dispararam. Ao serem alertados por transeuntes que uma criança estaria presa ao cinto do lado de fora do carro, os criminosos disseram que não se preocupassem, pois “era apenas um boneco de Judas”. A criança foi arrastada por 7 quilômetros. Depois, os assaltantes abandonaram o veículo e o que restara do corpo do menino. Desde então, João Hélio ficaria conhecido como a vítima inocente de um crime infamante.

Poucas horas depois, a polícia prendeu os três assaltantes. Dentre eles, um rapaz de 16 anos. Como o rapaz era inimputável, levaram-lhe a uma casa de detenção de menores. Enquanto os dois assaltantes maiores pegaram, em conjunto, penas somadas de 167 anos, o menor não deve ter passado mais de três anos sob custódia, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Houve passeatas, protestos e manifestações exigindo mudanças na legislação para que adolescentes não pudessem mais escapar às garras da lei. Jornais repisavam a história e repercutiam a comoção nacional com o bárbaro assassinato. Políticos se apressavam em prometer leis mais duras para o combate ao crime, enquanto o então Ministro da Justiça apelava contra os riscos da “legislação de emergência”.

Passado um mês, ninguém mais se lembrava do caso. Nenhum jornalista foi visitar os pais de João Hélio. Não houve sequer autoridade que se dignasse a mandar condolescências na missa do 30º dia. E os projetos prometidos pelos políticos foram parar na mesma gaveta de sempre.

Agora, com o assassinato brutal de um adolescente de 19 anos por outro, que faria 18 na semana seguinte ao assassinato, novamente vemos o mesmo filme passando à frente dos nossos olhos. A mesma indignação, a mesma comoção e as mesmas promessas vazias de quem quer só fazer média com a opinião pública.

O debate acerca da redução da maioridade penal é uma banalidade. Como bem disse @jgveras, se baixarem a maioridade para 16 anos, amanhã aparecerão menores de 15 anos praticando crimes. E se baixarem para 15, depois de amanhã surgirão meninos de 14 transgredindo a lei. Ficaríamos brincando de reduzir a idade para imputabilidade penal até chegarmos à esdrúxula situação de ver uma criança de 4 anos sendo processada por lesão corporal leve ao jogar um brinquedo na cabeça de outra de 5.

Não se trata, também, como afirmam os “defensores dos direitos humanos”, de culpar “a sociedade” pelo crime e dizer que o que reduz criminalidade são “políticas públicas para tirar os jovens dos crimes”. Isso certamente ajuda, mas o que reduz crime é repressão. Repetindo: REPRESSSÃO. A questão, portanto, não é a idade em que o sujeito começa a responder penalmente por suas infrações, mas discutir a eficácia da lei penal.

Vem de Beccaria a lição segundo a qual “não importa o tamanho da pena, mas a certeza da punição”. Pois no Brasil não há nem uma coisa nem outra. As penas para boa parte dos crimes são ridículas em tamanho e, mesmo para as penas maiores, é difícil fazer a lei ser efetivada na prática. Que o digam os Pimentas Neves da vida, réus confessos de homicídio (a maior pena existente no nosso ordenamento) que ainda não começaram o cumprimento da pena.

Na verdade, o debate acerca da maioridade serve apenas para desviar a atenção. Vende-se a idéia de que, reduzindo-se a maioridade penal, a segurança da população aumentará, quando não há qualquer garantia de que as novas normas, se aprovadas, serão efetivamente aplicadas.

O que se tem de debater, portanto, é novos meios para tornar mais célere o caminho entre a denúncia, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e a execução da pena cominada. Depois disso, pode-se até discutir a redução da maioridade penal. Fazê-lo antes significará simplesmente jogar pra platéia. E disso o povo já está cheio.

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3 Responses to A redução da maioridade penal

  1. Avatar de Mourão Mourão disse:

    Concordo que reduzir a idade penal é inócuo. Porém não entendo porque um menor que comete crime hediondo não pode receber uma pena que o faça ficar “apreendido” até completar os 21 anos. Também não consigo entender porque um menor reincicidente em crime hediondo não possa receber uma pena de adulto e cumprir parte dela, enquanto não completar os 21 anos, em estabelecimento próprio para menor de idade e o restante, após a maioridade na penitenciária. De fato, o problema não está na idade da maioridade e sim na sensação( com justos motivos) de impunidade. O sensacionalismo da imprensa (efêmero) e as passeatas pela paz ( oportunidade de exibicionismo para uns e ilusão para outros) não conduzem a nada ,e as pessoas comuns, particularmente os jovens, de todas as classes sociais , principalmente média e baixa, estão reféns do banditismo.

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      Na verdade, Comandante, até há a possibilidade de que menor fique apreendido até os 21 anos. Basta que ele cometa o crime perto de completar 18. Aí, como o período máximo de internação são 3 anos, ele ficaria até os 21. Além disso, se ele cometer qualquer crime na casa de denteção após os 18 anos, ele responderá como adulto, ou seja, se condenado, irá para o presídio comum após o cumprimento do período de internação. De resto, concordo com tudo que o senhor disse. Um abraço.

  2. Pingback: Os riscos da legislação de emergência, ou Devagar com o andor, porque o santo é de barro | Dando a cara a tapa

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