A promulgação da PEC dos TRF’s

Se tem um assunto que está dando pano pra manga nos últimos tempos é a criação dos novos Tribunais Regionais Federais. Desde antes de sua aprovação pelo Congresso, passando pela fatídica reunião entre o presidente do Supremo Tribunal Federal e os representantes das associações de juízes e chegando finalmente ao problema da sua promulgação, poucas coisas deram tanto o que falar recentemente.

Não convém falar aqui dos maus modos do Ministro Joaquim Barbosa. Sobre isso, já se escreveu bastante e analisá-los seria apenas discorrer sobre mais do mesmo. Tampouco me interessa falar sobre o mérito da proposta. Primeiro, porque, ao contrário de Joaquim Barbosa, não analiso questões desse naipe segundo uma ótica estritamente econômica. Que os tribunais custarão mais ao Erário, não há dúvida. A questão é saber se eles são necessários. Segundo, porque não me imagino discutindo o assunto, mesmo sob uma ótica estritamente econômica, com base em chutes. Só a chutometria pode explicar que alguém tenha soprado no ouvido do presidente do Supremo que os novos TRF’s custarão R$ 8 bilhões quando toda a Justiça Federal custa R$ 7,2 bilhões.

Não, minha questão aqui é outra. É analisar a penúltima em relação ao assunto: a hipótese de os presidentes da Câmara e do Senado se negarem a promulgar a Emenda à Constituição.

Conforme se noticiou em alguns órgãos da imprensa, os presidentes das Casas Legislativas federais teriam chegado a um acordo segundo o qual a PEC criadora dos TRF’s não seria  promulgada. Não sendo promulgada, não entraria em vigor. Não entrando em vigor, tudo continuaria como está.

Trata-se de uma solução de borra. Depois que Joaquim Barbosa ameaçou derrubar a PEC no STF, a Câmara e o Senado evitariam o confronto simplesmente impedindo a sua promulgação. Com isso, ficariam a salvo do temperamento mercurial do presidente do Supremo e ainda posariam de defensores do Erário, ao impedir o aumento do gasto com o Poder Judiciário. A questão, contudo, é mais profunda.

Segundo a Constituição Federal, o processo legislativo segue um rito próprio para cada espécie de norma. É isso que assegura o respeito ao debate, à expressão da vontade dos representantes eleitos e – o que é mais importante – a segurança jurídica na criação normativa. É o processo legislativo que assegura, por exemplo, que uma lei complementar não será levada a efeito se não contar com a aprovação da maioria absoluta da Câmara e do Senado. Também é o processo legislativo que assegura ao Presidente da República participar da produção normativa, sancionando ou vetando as leis aprovadas pelo Parlamento.

No que toca às emendas constitucionais, a Constituição determina que elas devem ser aprovadas, em dois turnos, por 3/5 de cada casa parlamentar (art. 60, §2º). Uma vez aprovadas, as emendas constitucionais serão promulgadas pelas mesas da Câmara e do Senado (art. 60, §3º). Note-se que, ao contrário das leis ordinárias e complementares, as emendas à Constituição não se submetem a sanção ou veto do Presidente. Uma vez aprovadas pelo Parlamento, é prego batido, ponta virada, sem direito a choro.

Evidentemente, as emendas constitucionais podem vir a ser discutidas no STF. Desde a famosa Emenda Constituinal nº3, que criou o famigerado IPMF, já se admite no país a decretação da inconstitucionalidade das emendas constitucionais. Mas, para isso, deve haver antes a provocação do STF por um dos autorizados a propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade e, posteriormente, o deferimento do pedido pela maioria absoluta do plenário do Supremo.

A “solução” imaginada para a crise, portanto, cria insegurança jurídica em duas frentes.

Em primeiro lugar, por admitir que as mesas da Câmara e do Senado possam usurpar a competência do plenário das duas casas que, após votação em dois turnos, decidiu pela sua aprovação. É dizer: as Comissões de Constituição e Justiça de ambas as casas decidem que a matéria é constitucional, o plenário aquiesce com o julgamento e acredita que a proposta é benéfica ao país – por isso a aprova – e, depois, as mesas da Câmara e do Senado simplesmente ignoram todo o íter legislativo para dizer que nada daquilo valeu.

Em segundo lugar, a proposta abre a possibilidade de que os julgamentos de inconstitucionalidade das normas sejam suprimidos da apreciação do Poder Judiciário, único legitimado a fazê-lo na via repressiva. Ora, se o STF somente pode se manifestar, em sede de Adin, contra propostas legislativas em vigor, a “cassação” da promulgação simplesmente impede o Supremo de se manifestar sobre o tema.

Pra piorar, essa solução ignora um dado hipotético fundamental: e se, provocado, o STF decidir que a emenda é constitucional? Afinal, o presidente do Supremo é apenas um dentre os onze votos que compõem a Corte. Nada garante que sua opinião será seguida pela maioria.

Abrir esse precedente seria perigoso, também, por permitir que, no futuro, propostas legimitimamente aprovadas pelo Parlamento fossem “arquivadas” sob o pretexto de serem contrárias à Constituição. Se hoje a discussão acerca da criação dos TRF’s ainda tem algum embasamento jurídico, amanhã quem garante que não haverá alguém tachando de “inconstitucional” uma emenda simplesmente porque é contrária aos interesses do mandatário de plantão?

Por isso, a única coisa a fazer é promulgar a emenda aprovada pelo Parlamento. Do contrário, amanhã estaremos lamentando o pandemônio político-judiciário no qual nos metemos.

E não será por falta de aviso…

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1 Response to A promulgação da PEC dos TRF’s

  1. Avatar de Mourão Mourão disse:

    A concretização dessa hipótese( não promulgação) seria a prova (mais uma?) de que os presidentes de ambas as Casas Legislativas optaram pela pusilanimidade, da arrogância e da grosseria do Presidente do STF, que também não se importa de fazer afirmações destituídas de um minimo de comprovação.

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