Confesso que não estava muito afim de escrever sobre mais uma crise coreana. Afinal, que dizer de novo, quando Norte e Sul encontram-se tecnicamente em guerra desde 1953, quando foi assinado um armistício, e não há qualquer sinal de paz à vista? No entanto, instigado pelo Comandante Moura Grande, vou aqui deitar algumas breves palavras sobre o mais recente entrevero na península mais tensa da geopolítica mundial.
Desde quando Kim Jong-Il morreu, em novembro do ano passado, os analistas dividiram-se em duas correntes. Conforme foi antecipado aqui, os otimistas acreditavam que as coisas continuariam na mesma, ou seja, ruins. Os pessimistas, por sua vez, acreditavam que a coisa poderia piorar. Passado pouco mais de um ano, parece que os pessimistas vão levando a melhor.
Inexpugnável na sua aversão a qualquer integração com o mundo, a Coréia do Norte desafia qualquer analista mais sensato. Sem mídia independente, sem qualquer presença estrangeira relevante e virtualmente sem acesso aos círculos mais altos de poder do país, qualquer notícia sobre o país aproxima-se muito mais do conceito de especulação do que propriamente de informação. A maior parte dos prognósticos parte do estudo do comportamento da Coréia do Norte nos últimos 50 anos, quando mandavam no país o avô e o pai de Kim Jong-Un. Talvez esteja aí o erro da maioria dos analistas: analisam uma possível nova guerra com base no retrospecto das guerras anteriores, ignorando que as circunstâncias que conduziram aos resultados passados podem não ser as mesmas.
Desde 12 de fevereiro deste ano, quando detonou mais um artefato nuclear em seu subsolo, o que se tem assistido na península coreana é uma escalada da retórica belicista sem precedentes desde a Guerra da Coréia. Primeiro, a ONU reagiu impondo mais uma rodada de sanções contra o país. Depois, a Coréia do Norte anulou o armistício firmado em 1953. Em resposta, os Estados Unidos deram início a exercícios militares com a Coréia do Sul. De outra banda, a Coréia do Norte declarou estado de guerra com a Coréia do Sul, que por sua vez prometeu não exercitar mais a paciência em caso de agressão. Pra terminar, os Estados Unidos deslocaram caças e aviões anti-mísseis para a região, just in case.
Até aqui, portanto, a flecha da política externa desloca-se unicamente no sentido da guerra. Não há, nem de um lado nem do outro, qualquer menção a retrocessos. Fora isso, a proximidade de tanta gente armada, com os nervos à flor da pele, normalmente não dá em boa coisa. São inúmeros os precedentes de guerras iniciadas do nada, apenas porque a atmosfera eletrificada gerava o ambiente perfeito para a amplificação de um episódio banal.
Argumenta-se que a Coréia do Norte não seria louca de iniciar uma guerra, pois não sobreviveria a mais de duas semanas de combate. Mas quem disse que eles se movem pela razão? Dá-se de barato que Kim Jong-Un usa a retórica belicista para ganhar sustentação política interna. Mas quem garante que ele precisa disso? Ou pior: quem garante que é ele o responsável pela escalada da crise? Sem nenhuma experiência ou background para governar um país, é possível que Kim Jong-Un seja apenas uma marionete manipulada por militares sem noção, que se julgam responsáveis por alguma missão divina, como destruir o “Imperialismo Ianque”.
Argumenta-se, também, que uma guerra poderia tirar da Coréia do Norte seu único apoio, a China. Essa conclusão também é precipitada. É certo que os chineses não desejam a guerra, provavelmente mais por motivos econômicos – uma eventual alta do preço do petróleo e uma nova crise econômica mundial – do que por motivos políticos. Mas se engana quem acha que, mesmo sendo contra o recrudescimento da violência na região, os chineses assistirão impassíveis uma reunificação da península sob o domínio do sul capitalista. A eles não interessa uma potência regional aliada dos Estados Unidos literalmente mordendo seus calcanhares. De uma forma ou de outra, a China não deixará que isso aconteça.
Na verdade, na verdade, ninguém tem a menor idéia do que está pra acontecer. Pode ser que a escalada da violência fique limitada à saliva. Pode ser que Kim Jong-Un esteja usando seu arsenal apenas para fazer uma variante da Chantagem Atômica. Ou pode ser que, daqui a alguns meses, estejamos todos analisando as razões do conflito na Coréia, para concluir que ele era inevitável. Mas sua inevitabilidade, como sempre, só foi descoberta depois.
É uma análise que se tem revelado difícil, embora a tendência seja de que tudo, ou quase tudo, não passe de arroubo para consumo interno, pois o fator econômico deve der preponderante, e mesmo aos aliados das duas Coreias não interessa um conflito em que nada pode trazer de vantagem para nenhuma das partes.
E obrigado pela atenção ao voltar a focalizar o tema atendendo uma sugestão minha.
Esperamos todos que seja isso mesmo, Comandante. E seu pedido é sempre uma ordem, hehehe. Um abraço.