O imbróglio da cassação dos parlamentares

Esse é um tema até antigo, mas, dadas as declarações dos últimos dias, tende a se arrastar como “crise” até uma solução final. Falo da decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a perda imediata do mandato dos deputados que foram condenados no processo do Mensalão.

O problema reside basicamente na interpretação que se dá ao art. 55, inciso VI, da Constituição Federal:

“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.

Que o deputado condenado criminalmente perderá o mandato, não há dúvida. A questão é: quem decide que ele perderá o mandato?

Por trás dessa questão jurídica, encontra-se, latente, a discussão acerca de dois pontos fundamentais. Primeiro, as prerrogativas do Parlamento como poder do Estado. Segundo, os limites das decisões da mais alta corte de Justiça do país, o STF.

À primeira vista, parece esdrúxulo deixar que um sujeito condenado possa continuar exercendo o mandato como se nada houvesse acontecido. Para piorar, nos casos em que o sujeito é condenado a penas de reclusão – como é o caso dos deputados da Ação Penal 470 – como compatibilizar o exercício do mandato com o cumprimento da cana dura? Em outras palavras, como é que o cidadão, preso, vai poder comparecer às sessões da Câmara dos Deputados?

O problema, no entanto, é que o § 2º do mesmo artigo 55 estabelece que “nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”. Ou seja: ainda que condenado por sentença transitada em julgado, o sujeito só perderá o mandato por decisão da maioria absoluta da casa para a qual foi eleito, em votação secreta. Portanto, da letra da Constituição, extrai-se que a decretação da perda do mandato compete à casa legislativa, não ao Supremo Tribunal Federal.

O que a Constituição não esclarece é o seguinte: se o sujeito condenado por sentença transitada em julgado não for cassado pela respectiva casa legislativa, faz-se o quê? Preso, ele vai continuar ostentando a condição parlamentar?

Numa decisão apertada (5×4), o Supremo entendeu que não. Provavelmente receosos do paradoxo a que conduziria uma eventual absolvição em plenário dos deputados condenados, os ministros do Supremo resolveram atalhar o caminho e dispensar o Congresso da sua prerrogativa. Eles não precisariam mais votar nada. Bastaria “dar cumprimento” à decisão do STF.

Com alguma razão, os deputados chiaram. Afinal, a Constituição, por mais esdrúxulo que seja, é clara ao prever que cassação de mandato é ato do Parlamento, não do Judiciário. Admitir que o Supremo possa cassar parlamentares resultaria em evidente desequilíbrio do delicado balanço da separação de poderes.

A bem da verdade, diga-se que a história recente não depõe favoravelmente ao Parlamento. Os receios dos ministros do Supremo – e, de resto, de quase toda a população –  de uma eventual ação corporativa para salvar condenados pela Justiça são bem justificados. É difícil imaginar, por exemplo, semelhante receio assomar numa corte de justiça alemã. Ninguém teria dúvida de que o Parlamento cassaria o mandato dos condenados.

Mas isso conduz a outro paradoxo. Se temos um Parlamento no qual não se pode confiar sequer para cassar mandatos de condenados pela Justiça, para que o elegemos?

Não sei como o imbróglio da cassação dos mandatos de deputado será resolvido. A única conclusão a que já se pode chegar é que a credibilidade das casas legislativas atingiu o rés-do-chão. E isso nunca é bom para a democracia.

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3 Responses to O imbróglio da cassação dos parlamentares

  1. Avatar de Eduardo Eduardo disse:

    Na época da ditadura, como estava a credibilidade do STF? A História pode se repetir… de quem emana o poder?

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      No começo, até que ficou bem, meu caro Jack. Depois, com a subserviência e o servilismo da maior parte dos ministros, começou a despencar. Que a história pode se repetir, não há dúvida. Mas duvido que os atuais ministros do Supremo estejam preocupados com isso. Vejo um ou dois com capacidade de enxergar o futuro. Os demais… Abraços.

  2. Pingback: O retorno do Supremo Vingador | Dando a cara a tapa

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