O fim do julgamento do Mensalão

Depois de quatro meses de julgamento, enfim a Ação Penal nº. 470 chegou a termo no Supremo Tribunal Federal. Como prometido por este que vos escreve, tecerei algumas considerações gerais acerca do julgamento. Por conta do tempo e do espaço, algumas outras questões acessórias – e mais técnicas – ficarão para outras oportunidades, como é o caso dos recursos a serem interpostos contra a decisão. O importante, hoje, é fazer um apanhado geral das impressões do julgamento.

Cercado de expectativas de todos os lados, o julgamento do Mensalão despertou paixões e discussões acaloradas nos blogs militantes, à esquerda e à direita. Questões puramente técnicas passaram a ser observadas sob o ângulo do “alinhamento político” deste ou daquele ministro, como se a malta assistisse a uma partida de futebol. Na torcida por cada um dos lados, não havia espaço para meios-termos: ou o sujeito era do seu “time”, e, portanto, estava certo sempre; ou o sujeito era do “time adversário”, logo, errado o tempo todo. O clima de beligerância impediu os cegos pela paixão, por exemplo, de constatar a fluidez e a movimentação dos votos dentro do próprio Supremo Tribunal Federal, a demonstrar o quão frágil era a tentativa de reduzir o julgamento a um Fla x Flu.

Pra piorar, parece que parte desse clima contaminou alguns ministros do STF, a ponto de as discussões entre eles atingirem, em vários momentos, níveis pouco compatíveis com a liturgia que se exige de quem ocupa uma cadeira de magistrado na mais alta corte do país. Não que isso seja exatamente novo. Afinal, a cortesia entre os pares não chega a ser propriamente algo comum nos embates jurídicos da Suprema Corte. Quem acompanha os julgamentos do Supremo há mais tempo é testemunha da falta de urbanidade que volta e meia baixa no plenário. No entanto, a constância das brigas, aliada à exposição nua e crua, ao vivo, pela TV Justiça, certamente diminuiu um pouco a respeitabilidade que a população tem pelo STF.

Do julgamento em si, o que resta?

Bom, as conclusões são basicamente três.

Em primeiro lugar, acabou-se o mito de que, a partir de certo nível de renda ou de status político, nenhum mal é tão grande que justifique a cana. Um julgamento do qual saem condenados o ex-chefe da Casa Civil, o ex-presidente da Câmara dos Deputados e o ex-presidente da legenda que há 10 anos governa o país demonstra à toda evidência que a lei se aplica indistintamente a todos, como manda a Constituição.

Em segundo lugar, os votos e as atitudes dos ministros durante o julgamento mostraram um julgamento técnico, desmontando as teorias conspiratórias. À esquerda, porque não se pode admitir – sob a perspectiva de quem via um “julgamento político” – que o Ministro César Peluzo, tido como voto certo contra os réus, não tenha adiantado o seu voto. À direita, porque os dois ministros nomeados pela Presidente Dilma – supostamente interessada em livrar seus companheiros de partido – condenaram José Dirceu e cia. (embora Rosa Weber o tenha absolvido da acusação de formação de quadrilha, mas apenas por uma questão técnico-jurídica).

Em terceiro lugar, o julgamento mostrou o verdadeiro tamanho do problema da prerrogativa de foro. Por quatro meses, o Supremo Tribunal Federal funcionou, como disse o Ministro Marco Aurélio, como um “tribunal de processo único”. Por mais de 120 dias e não sei quantas sessões, a corte mais importante do país ficou presa a um julgamento menor, no qual se discutiam questões penais de pouca densidade jurídica. Questões muito mais relevantes, como aquelas tratadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade e nas Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental ficaram aguardando no fim da fila, até que se ultimasse o fim do julgamento.

Tudo bem que isso tenha sido uma situação excepcional – eram 38 réus – mas não se pode admitir a virtual paralisação da mais alta corte do país para se dedicar ao julgamento de uma única ação. É preciso repensar o sistema de prerrogativa de foro. Quem sabe alterando a sistemática processual ou mesmo restringindo ainda mais as pessoas que a detém.

Mas talvez a mais importante constatação do final do julgamento do Mensalão é o clima de tranqüilidade política que o país viveu durante seu transcurso. Algumas das maiores figuras do governo anterior foram submetidas a um rigoroso julgamento e não se sentiu no ar nem sequer o discreto perfume de alguma conturbação institucional que convulsionasse o Brasil. Não se viram manifestações nas ruas – nem de um lado (pedindo a prisão), nem do outro (exigindo a sua absolvição). Os militares continuaram nas casernas. E o Governo continuou tocando seu barco.

Quase 30 anos depois que os gorilas saíram pela porta dos fundos da história, parece que o país finalmente atingiu o grau de maturidade política que se espera de uma grande nação.

Melhor para nós.

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