Os riscos dos salvadores da pátria

Parece até piada a recorrência desse tipo de expediente, ainda mais em um país como o Brasil, que vira e mexe se encontra sob uma ditadura. Mas, ainda assim, o mito do “Salvador da Pátria” continua a povoar o imaginário de boa parte da população.

Ele começa a se insinuar discretamente, quase inofensivo. Um escândalo aqui, outro acolá, e o conceito da classe política não consegue se firmar muito além do rés-do-chão. Cansada, a população fica de saco cheio dos políticos profissionais e cede ao fatalismo segundo o qual “não adianta fazer nada, porque não vai mudar mesmo”.

Nessas horas, do meio da desesperança, surge alguém que encarna o espírito do “contra-tudo-que-está-aí”. Fora da política, um outsider não contaminado pelas viciosas práticas que apodrecem as entranhas da Administração Pública, o sujeito subitamente é elevado à condição de modelo de conduta, espelho de cidadão. Nesse processo, a mídia desempenha um papel fundamental.

Aparentemente isento de defeitos, as façanhas da vida do sujeito são logo transformadas em sagas épicas. Cada pequena vitória é convertida em uma façanha comparável aos 12 trabalhos de Hércules. Páginas e páginas de colunas e editoriais são escritas na exaltação daquele que, no entender dos “formadores de opinião”, representa “o que o Brasil tem de melhor”.  A ascenção daquela figura significa “o último sopro de esperança” de uma população ávida por um governo decente. Subitamente, o homem transforma-se em mito. E é aí que a porca entorta o rabo.

Por pelo menos duas vezes, os brasileiros acreditaram na proposição de “salvadores da pátria”. Nas duas vezes, deram com os burros n’água.

No primeiro caso, em 1964, a inflação disparava, a “ameaça comunista” rondava o país e imperava a anarquia nos sindicatos, com direito até a sublevação de marinheiros. Com apoio da maior parte da população e da esmagadora maioria dos meios de comunicação, os militares derrubaram Jango a pretexto de “salvar a pátria”. Como resultado, brasileiros viram seus concidadãos serem torturados, exilados ou mortos, e os meios de comunicação foram postos sob censura.

No segundo caso, após o fim do regime militar e depois do desastre administrativo que foi o Governo Sarney, os brasileiros trocaram os salvadores da pátria fardados por um salvador da pátria civil. Jovem e de porte atlético, Fernando Collor de Mello era o próprio retrato do super-herói moderno. Vendido pela mídia como “caçador de marajás”, Collor nem sequer partido político tinha. Filiou-se ao ridiculamente inexpressivo PRN apenas para ter uma legenda pela qual concorrer. Dois anos depois de eleito, foi destituído do cargo, com o povo indo às ruas comemorar sua queda.

Ao contrário do que prega parte dos editorialistas nacionais, a solução para os problemas políticos do país – corrupção, inclusive – não se dá pelo abandono da política e pelo recurso a “alguém de fora” para “pôr ordem nessa bagunça toda”.

Na verdade, dentro da fábula do “Salvador da Pátria”, cria-se a ilusão de que é possível resolver todos os problemas do país numa mão de cartas. Elege-se o super-homem e estará tudo certo. Se por um lado a fábula encanta por embutir a possibilidade de “saída fácil”, por outro destrói a responsabilidade da população como agente do processo político. Nenhum político está onde está por indicação divina. Ocupa o cargo porque alguém votou nele. Se transforma seu mandato em uma fábrica particular de riqueza, o problema está menos em sua consciência do que na falta dela do sujeito que o sufragou nas urnas.

Ou a população brasileira compreende que é pelo exercício compromissado do dever político que se transforma um país, e não pelo abandono da política, ou nos arriscamos a viver pulando de salvador da pátria em salvador da pátria para expiar nossos próprios pecados.

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2 respostas para Os riscos dos salvadores da pátria

  1. Kellyne disse:

    Texto irretocável, meu amigo! Bjo

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