Os riscos do abismo fiscal

Hoje, numa clara manifestação da bipolaridade compulsiva dessa entidade supraideológica e sem rosto chamada “mercado”, as bolsas do mundo inteiro despencaram. O receio generalizado atende pelo nome de Fiscal Cliff, ou, em bom vernáculo, Abismo Fiscal.

A notícia não é nova. Pelo contrário. Anunciava-se desde meado do ano passado. Quem acompanha o blog, pôde ver parte do problema aqui.

Em resumo, nos Estados Unidos há um limite para o endividamento do Governo. Esse limite é fixado por uma lei do Congresso. Como o Estado americano é deficitário, a dívida vem aumentando desde sempre. E desde sempre o Congresso vai empurrando o teto mais pra cima.

O problema é que a Câmara dos Representantes é controlada pelo Partido Republicano. Para sacanear com o presidente democrata Obama, os Republicanos quiseram bater o pé no ano passado: ou se cortavam os gastos do Governo, ou negariam os votos para aumentar o endividamento dos Estados Unidos. Resultado? Um calote que colocaria a economia do mundo inteiro em xeque.

Na décima segunda badalada do dia-limite para o aumento da dívida, democratas e republicanos resolveram empurrar o problema com a barriga. Aumentaram o limite só o suficiente para que o país atravessasse o ano de 2012 (eleitoral) sem grandes percalços.

Só que os republicanos impuseram uma condição: se um novo acordo com uma real diminuição do déficit fiscal não fosse alcançado até o final de 2012, uma série de medidas seriam tomadas automaticamente. São elas: 1) fim dos cortes de impostos na folha de pagamento dos trabalhadores; 2) fim de benefícios fiscais concedidos a empresas; e 3) imposição de impostos relacionados ao Medicare, programa de saúde aprovado por Obama.

Além disso, cortes automáticos atingiriam mais de 1000 programas governamentais, dentre eles alguns relacionados à saúde, e outros relativos a investimentos no setor de defesa. Juntando tudo, a virada de 2012 para 2013 representaria uma facada geral na economia de aproximadamente US$ 700 bilhões.

“E daí?”

Daí que, depois de se afastar do abismo na crise econômica de 2008, a economia americana ainda flerta perigosamente com a depressão, tal qual um bêbado dançando ao lado de um penhasco. Qualquer escorregão pode ser fatal para uma economia que ainda cambaleia em busca da recuperação econômica. Sugar da economia, de uma hora pra outra, US$ 700 bilhões seria sem dúvida uma queda livre em direção ao precipício.

“E o resto do mundo com isso?”

Bom, apesar de não serem mais nenhuma Brastemp, os Estados Unidos ainda representam, sozinhos, quase 1/3 da economia global. Para piorar, o outro grande motor chamado China depende diretamente de um bom desempenho da economia americana para manter suas altas taxas de crescimento. Traduzindo: se os americanos caírem no abismo, o resto do mundo inteiro irá junto.

Nas próximas semanas, assistiremos de camarote mais uma daquelas novelas farsecas que só a política é capaz de produzir. Os republicanos esticarão a corda e os democratas os chantagearão com a ameaça do fim do mundo. Na undécima hora, ambos os lados chegarão a um acordo que empurrará o problema mais para frente. Ninguém vai querer arrostar a culpa por ter lançado o mundo em um precipício.

O problema é saber até quando a barriga dos americanos estará suficientemente sarada para continuar empurrando um problema de US$ 15 trilhões para frente.

Até lá, resta apenas torcer para que eles continuem em forma.

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