No estudo das doenças, os médicos costumam classificar algumas patologias como “endêmicas”, isto é, aquelas que costumam ocorrer de modo permanente em uma determinada região do globo de modo quase sistemático. O Brasil, por exemplo, tem algumas delas. A malária, por exemplo, é uma doença endêmica do norte do País. Por isso, o cuidado tem de ser redobrado quando se visita uma área onde está identificado algum tipo de endemia.
Mas as endemias não estão restritas às doenças do corpo. Há também doenças endêmicas a acometer a psiqué do indivíduo. E, no cenário nacional, uma das mais perigosas endemias existentes no Brasil se chama “coitadismo”.
Doença da modernidade, virulenta e altamente contagiosa, o coitadismo é um dos males sociais mais perversos da atualidade. Transmitida, segundo Leonardo Santana, pelo mosquito Aedes Dimin, o coitadismo reflete um dos traços mais característicos do perfil psicológico do brasileiro: a autocomiseração. É dizer: todos os seus problemas, todas as suas frustrações, todas as suas angústias, tudo isso é resultado de algum tipo de conspiração universal, do Mercado, do Estado, do Sistema, ou seja lá do que for.
Por um lado, o coitadismo inspira empatia dos ainda não contaminados. Afinal, quem não se compadece de alguém em situação difícil? É até natural querer ajudar uma pessoa com problemas. Por isso mesmo, é difícil impedir que a doença se alastre.
Por outro lado, o coitadismo estabelece uma situação perniciosa entre o portador e o agente inoculado. Subitamente, a pessoa se sente “responsável” pela situação do doente. Contrariar o pedido de ajuda seria um ato cruel, quase de desumanidade. Chantageado em suas emoções, o agente inoculado rapidamente se transforma em um novo paciente. E aí se instaura um círculo vicioso.
O principal problema do coitadismo está na subversão dos regramentos sociais e morais. Vejamos um exemplo prático:
Um pobre pode ser pobre por muitas razões. Pode ser pobre porque nasceu pobre e não teve oportunidades na vida. Pode ser pobre porque, apesar das oportunidades que teve, jogou-as todas fora. E pode ser pobre porque, outrora rico, não teve capacidade suficiente de manter sua riqueza.
No primeiro caso, é razoável admitir que o Estado e até você mesmo faça alguma coisa para ajudar o cidadão miserável. É o típico caso do sujeito no qual vale a pena investir, pois, muito provavelmente, quando lhe derem uma oportunidade, irá agarrá-la com unhas e dentes.
Nos outros dois casos, obrigar o Estado a prover casa, comida e roupa lavada chega a ser um acinte. Ao contrário da primeira hipótese, na qual o sujeito está na miséria por condições alheias a suas ações, nas outras duas os sujeitos tiveram todas as oportunidades do mundo para ter um padrão de vida minimamente decentes e puseram tudo a perder.
Fora isso, em qualquer das hipóteses, há aquele sujeito que não se interessa e muito menos tem disposição para aprender um ofício. Só sabe ficar sentado na calçada, ir ao bar beber e depois sair arrotando que “o Estado não me dá nada”. Se não tem casa, é porque o Estado não dá. Se não tem trabalho, é porque o Estado não dá. Se não tem saúde, é porque o Estado não dá. Levantar a bunda da cadeira e ir atrás de algum serviço que o Estado oferece para se profissionalizar, que é bom, nada.
Lembro-me, por exemplo, do caso de um flanelinha que adorava ficar me cobrando trocados por “cuidar do meu carro” enquanto assistia à missa. De saco cheio de tanto dizer não pra figura, um dia lhe fiz uma proposta:
“Vamos fazer o seguinte: você lava meu carro e eu te dou o dinheiro pelo serviço, beleza?”
Ao que o sujeito com a vida ganha respondeu:
“Aí, não dá, Dôtô. O carro do senhor é muito grande. E hoje eu tô c’uma preguiça…”
O Estado existe para prover serviços, é verdade. Mas não pode ser paspalho. Há sujeitos que são pobres pelas circunstâncias. Há outros que são pobres por merecimento. Quando todo mundo entender isso, o país vai começar a ficar vacinado contra o mal do coitadismo.