O desafio do Supremo Tribunal Federal, ou Os problemas da dosimetria da pena

Tinha prometido a mim mesmo que não tocaria no assunto mensalão enquanto o Supremo Tribunal Federal não chegasse a uma decisão definitiva sobre o assunto. Mas os acontecimentos dos últimos dias me fizeram mudar de idéia em relação a alguns pontos específicos.

Quem se admirou com o acirramento do debate entre os ministros durante o julgamento da Ação Penal 470 não tem idéia do tamanho do desafio que se avizinha aos ministros do STF. O que está por vir é muito, muito pior do que qualquer um pode imaginar.

Como se sabe, os réus no início da ação contavam-se em 40. Um morreu (José Janene). Outro (Sílvio Pereira) aceitou a transação penal proposta pelo Ministério Público Federal e prestou alguns meses de serviços gratuitos à comunidade. Mais dois (não lembro quais) tiveram sua absolvição requerida pelo próprio MPF. E, por fim, um doleiro chamado Quaglia conseguiu ter seu processo remetido ao 1o grau de jurisdição. No frigir dos ovos, restaram 35 réus propriamente ditos.

Segundo a Lei Penal, o réu deve ser julgado por cada um dos crimes pelos quais é processado. Portanto, para cada um dos crimes relacionados, o juiz deve prolatar uma decisão determinando: 1 – se condena ou absolve o réu; e 2 – em caso de condenação, quanto de pena irá arbitrar por cada um dos crimes e o regime em que essa pena será cumprido (aberto, semi-aberto ou fechado).

Pois bem. Afora a discussão se o processo será julgado ao modo Jack (por partes) ou por inteiro, o maior problema reside em, uma vez condenados os réus, determinar a pena a ser imputada a cada um deles.

Não sei o valor exato, mas supondo por baixo que cada réu responda em média por 3 crimes, teremos a necessidade de 105 decisões condenatórias ou absolutórias (35 réus x 3 crimes por cada réu). Nesse caso, a contagem dos votos dos ministros é relativamente simples. Contam-se os votos daqueles que absolvem e daqueles que condenam. Para o lado que penderem mais ministros (6 ou mais) estará jogado o jogo.

Agora, admitamos que, dos 35 réus, 5 sejam absolvidos e 30 sejam condenados. Portanto, teremos a necessidade da individualização de 90 penas (30 réus x e crimes por cada réu). Nesse caso, a contagem dos votos tende a ser maluca.

“Por quê?”

Pelo seguinte: em tese, cada um dos ministros deve determinar a quantidade de pena que atribui por cada um dos crimes cometidos pelos réus. Portanto, no caso de 90 penas, teremos 990 votos potencialmente distintos (90 penas x 11 ministros). Bem se vê que Marco Aurélio Mello não estava sendo irônico quando disse que achava muito otimismo ver o caso resolvido até o final de agosto. Estava sendo realista.

Depois disso, chegaremos em um problema maior ainda: se não houver 6 ministros (maioria absoluta) que decidam pela mesma quantidade de pena, como será resolvido o tempo da condenação do réu? Será tirada uma média do tempo definido pelos votos? Será aplicada a pena definida pela maior quantidade de ministros, independentemente de quantos forem (2, 3, 4 ou 5)? Ou será aplicada a menor pena, segundo o princípio do “tudo-em-favor-do-réu”?

Outros ponto a ser considerado: quem votou pela absolvição poderá votar na quantidade de pena atribuída? Ou decidirão a quantidade de pena imputada somente os ministros que votaram pela condenação?

Quando se reuniram para decidir o calendário do julgamento, os ministros pareciam muito preocupados com o tempo. Resolveram quando iriam julgar, mas não decidiram como iriam julgar. Agora, a pressa pode cobrar seu preço.

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