Quanto mais o tempo passa, mais me convenço de que a Era atual em que vivemos é um amontoado caótico de paradoxos. Há cada vez mais acesso à informação, e nunca as pessoas foram tão ignorantes; nunca a riqueza mundial foi tão grande, e nunca houve tantos pobres no mundo; nunca a ciência foi tão avançada, e nunca se precisou mais da presença divina como agora. A esses, deve-se juntar mais um: o paradoxo da globalização.
Desde sempre, todos os processos de “globalização”, anteriormente conhecida como “imperialismo”, pretendem um mundo iluminado e sem fronteiras, regido pelas leis de mercado, com o livre trânsito de pessoas e mercadorias globo agora. Trata-se, por assim dizer, de um processo de uniformização do mundo. Composta por diferentes raças e culturas, a Terra é naturalmente um lugar de diversidade, não de uniformidade. E é justamente contra esse pano de fundo que se move a globalização.
Imagine, por exemplo, a Coca-Cola. A Coca-Cola é um produto tipicamente norte-americano, de tal modo associado à identidade de seu povo que não seria absurdo dizer que faz parte de seu patrimônio cultural. O resto do mundo, por exemplo, nunca esteve habituado a refrigerantes. A França bebia vinho, na Rússia bebia-se vodka e, no Brasil, bebia-se suco de frutas ou até mesmo a velha e boa cachaça.
Para introduzir a Coca-Cola nesses mercados, não basta somente uma boa campanha de marketing. É preciso mudar o standard cultural do país. Convencer o consumidor de um outro país a almoçar tomando refrigerante ao invés da bebida tradicional local. Ou, que para se refrescar, é melhor tomar Coca-Cola do que água gelada.
Nem sempre isso é feito com grande sucesso. Como sentimentos enraizados no indíviduo, os padrões culturais são de difícil alteração. E a dificuldade está, a meu ver, diretamente associada ao nível de desenvolvimento humano de um país. Não por acaso, a Coca-Cola tornou-se facilmente mais um figura na paisagem na América Latina do que na Europa. Afinal, a criação de uma identidade nacional ainda não era tarefa acabada por aqui, ao passo que no Velho Continente esta identidade já estava mais ou menos consolidade. Exatamente por isso, bebe-se muito mais Coca-Cola no Brasil do que, por exemplo, na França, um país mais rico que o nosso. Faz parte da característica de “ser francês” tomar vinho nas refeições, não refrigerante.
Mas, com maior ou menor intensidade, premida pela necessidade de uniformizar o padrão de consumo dos diferentes mercados, a globalização consegue se impor pela força do dinheiro e da marketagem. Com o tempo, produz-se um mundo pausterizado, uniforme e sem disparidades.
Curiosamente, é justamente nessa tentativa de “igualar” todo mundo que o sentimento de “ser nacional” ressurge mais forte. À medida que avança a tentativa de transformar o mundo inteiro numa grande “aldeia global”, pipocam nos mais diversos países movimentos de resgate da identidade nacional. Alguns mais pacíficos, outros mais violentos, de que são exemplo os movimentos neonazistas na Alemanha e na Áustria. Em termos mais sintéticos: quanto mais a globalização empurra o mundo em direção à “igualação”, mais aparece gente querendo ser diferente.
No Brasil, essas reações tendem a ser minoradas pela talvez única característica verdadeiramente brasileira: a facilidade de apreender costumes estrangeiros. Curiosamente, o sentimento de identidade no Brasil é mais reforçado internamente do que externamente. O pernambucano se identifica como pernambucano; e rejeita, por exemplo, o estilo de ser do baiano. O paulista se identifica como paulista; e rejeita, por exemplo, a identidade nordestina, sempre representada na sua cultura de forma caricata. Mas é difícil encontrar um paulista ou um pernambucano que enalteça a sua identidade nacional quando à sua frente está um estrangeiro.
No grande teatro do cenário mundial, somos como figurantes deslocados, que chegaram atrasado e ainda não sabem que roupa vão vestir.
Pois, afinal, o que é “ser brasileiro”?