Segundo alvo na preferência do anedotário nacional (atrás apenas dos portugueses), os argentinos têm de fato uma certa queda pela comédia. Quer dizer: adoram atrair público para a encenação de suas próprias tragédias, transformando-as em um espetáculo tragicômico. É o que acontece, agora, com a (re) nacionalização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, ou, mais sinteticamente, YPF.
Vendida pelo Governo Menem, a YPF está para os argentinos como a Petrobras está para os brasileiros. Além de ser uma empresa estratégica atuando numa área sensível – energia -, a YPF era um motivo de orgulho da nação, o patriotismo expresso em forma de empresa. Sim, os sudamericanos conseguiam extrair petróleo sem depender de empresas estrangeiras.
Na época da venda (1999), o desastre cambial argentino já se avizinhava. A YPF foi vendida na bacia das almas para conseguir dólares que fizessem frente ao déficit externo. Como resultado, apenas adiou-se o desastre. Três anos depois, a Argentina viveria a maior crise econômica e política de sua história, com curralitos e quatro presidentes no espaço de um mês. Tudo graças à manutenção de uma política insana de paridade com o dólar.
Depois disso, com a ascenção de Duhalde e a desvalorização do peso, a Argentina parecia ter reencontrado o caminho do crescimento. Graças ao maior calote da história, promovido por Nestor Kirchner, a Argentina conseguira a um só tempo aliviar as contas externas, diminuir o déficit fiscal e produzir condições para o restabelecimento do mercado interno.
De lá pra cá, contudo, o vírus peronista inoculado em 11 em cada 10 políticos argentinos parece ter dado o ar de sua graça. Se o calote resolveu imediatamente o problema, os argentinos deveriam saber que a solução seria temporária. Sem dar cabo à parte da dívida que continuou em default, a Argentina não poderia voltar ao mercado externo. Logo, esqueça-se dinheiro para fechar o balanço de pagamentos e para investir na produção interna. Crescendo a 9% ao ano, um novo desastre era apenas uma questão de tempo.
Com a economia em ritmo chinês, é natural acontecer duas coisas. Primeiro, aumentar a demanda interna de consumo. Com mais dinheiro, a população compra mais. Aí, você tem duas opções para fazer frente à demanda interna: ou importa mais ou investe em produção interna. Disso resulta diretamente a outra conseqüência: a necessidade de financiamento externo, seja para cobrir o buraco aberto com as importações, seja para atriar mais investimento para o setor industrial.
Sem acesso ao mercado externo de crédito, a Argentina ficou privada de ambas. Com isso, a inflação aumentou, assim como o rombo nas contas externas.
E o que fez a Argentina?
Ao invés de cuidar do problema pela raiz, resolveu seguir pela saída fácil do populismo peronista. Daí as barreiras comerciais contra o Brasil, a manipulação dos índices de inflação e a criação de “inimigos externos” para desviar a atenção do povo dos reais problemas de má administração do país. Só isso explica a insana disputa pelas Malvinas e a nacionalização da YPF.
Entre o exemplo brasileiro – que, depois da maxidesvalorização de 1999, resolveu juntar os cacos e seguir em frente – e o exemplo venezuelano – que varre para debaixo do tapete os problemas e engana a população com políticas populistas -, os Kirchner preferiram o segundo.
Pior para os argentinos.
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