A força da comunicação

Muita gente é vítima, mas pouca gente se dá conta da real extensão da força da comunicação. Se antes a comunicação era no máximo uma força auxiliar da dinâmica social, hoje ela é o ponto fulcral, o palco onde se desenrolam as mais violentas batalhas dos tempos modernos.

Em discussões sobre temas sensíveis, as questões emocionais acabam prevalecendo sobre as discussões técnicas. Mas se isso é natural para o vulgo, não deveria ser ordinário para pessoas versadas nas questões técnicas. Mesmo assim, em certos casos, as discussões ficam resumidas a um verdadeira Fla x Flu.

Vejamos o caso do aborto dos fetos anencefálicos. A radicalização do mérito da discussão torna estéril qualquer discussão acerca de qualquer outra questão, por mais bem fundamentada que seja. O Ministro Lewandowski, por exemplo, levantou uma questão puramente técnica. O legislador só excluiu a possibilidade de caracterização do crime de aborto em duas situações: estupro e quando houver risco à vida da gestante. A interpretação da lei penal é literal. Logo, aborto no caso de feto anencefálico, quando não for decorrente de estuprou ou não estiver em jogo a vida da mulher, é crime. Para alterar a lei, só através do Congresso Nacional. Fora disso, é baboseira de “neoconstitucionalista’.

Mas não adiantar argumentar: se você é contra, por qualquer razão, é logo tachado de “obscurantista”, “reacionário” e “opressor”. Se você é a favor, é “progressista”, “iluminado” e “defensor dos direitos da mulher”.

No caso dos poderes do CNJ, também, aconteceu algo semelhante. Quem dizia que o CNJ tinha competência apenas subsidiária – e havia muitos e fundados argumentos para dizê-lo – era logo tachado de “corporativista” e “reacionário”. Quem defendia a competência concorrente era tido como “legalista” e “contra o corporativismo”.

Numa discussão desse tipo, quem está do lado do Fla normalmente tenta aprisionar os do lado do Flu na armadilha do mérito. Tipo: “Você é a favor de que juiz corrupto fique impune?”. Ou, como disse Luís Roberto Barros no julgamento no STF: “Vamos obrigar
as mulheres a carregarem um caixão logo após o parto?”

No caso do CNJ, ninguém que entedia ser subsidiária a competência do CNJ defendia a impunidade para os magistrados. Dizia-se apenas que o CNJ só poderia atuar depois da corregedoria local. Como o Ministro Peluso ficou rouco de dizer, a questão não era se os magistrados deveriam ser punidos por irregularidades, mas quem deveria começar o processo para puni-los.

No caso do aborto do feto anencefálico, a questão não é se se deve obrigar a mulher a carregar um feto cuja vida está condenada. A questão é: o Supremo pode criar uma hipótese de exclusão de ilicitude de tipo penal, sobrepondo-se ao Congresso Nacional?

Que o Congresso pode – e no meu entender, deve – mudar a norma e autorizar o aborto em tais casos, não há dúvida. Há, no entanto, receios bem fundados de que, com a abertura da porteira no caso de fetos anencefálicos, acabe-se chegando rapidamente à eugenia. Quem, por exemplo, pode garantir que amanhã não aparecerá alguém a defender a possibilidade de aborto no caso de Síndrome de Down, já que seus portadores têm uma expectativa de vida bem menor que a média da população? Isso para não falar nos problemas mentais e nas patologias cardíacas comumente associadas à trissomia do cromossomo 21.

Mas nada disso importa. Não se discutem mais os argumentos de parte a parte. A única coisa que importa é saber de que “lado” você está. Isso já diz tudo sobre sua personalidade e seu pensamento.

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1 Response to A força da comunicação

  1. Avatar de Ana O. Ana O. disse:

    Falou e disse.

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