A eleição americana e o radicalismo anticomunista

Ontem, num daqueles flagrantes televisivos que os políticos de todo o mundo continuam insistindo em cair, o presidente norte-americano Barack Obama foi flagrado conversando em off com o seu colega russo, Dmitri Medvedev. Na conversa, Obama pedia a Medvedev um pouquinho de paciência para negociar o escudo anti-mísseis a ser instalado na Europa, algo que a Rússia considera como ameaça direta à sua existência.

Vazada, a notícia logo foi repercutida pelos pré-candidatos republicanos. Mitt Romney, por exemplo, foi logo tocando o terror, dizendo que Obama estava capitulando diante do “inimigo geopolítico número 1 dos Estados Unidos”. Medindo as palavras, Medvedev chegou a comentar que os pré-candidatos americanos deveriam ter mais juízo, além de recomendar uma consulta ao calendário: estamos em 2012, e não “em 1970”.

Nada que fuja do script, até porque, no amor e nas eleições presidenciais, vale tudo. Mas Obama deveria botar as barbas de molho.

Primeiro, por um fator objetivo. Mitt Romney tem razão quando critica Obama pode “esconder” da população uma decisão que pode, de certo modo, influenciar os cidadãos americanos no pleito de novembro. Deveria antes jogar claro e dizer, em alto e bom som, o que pretende fazer. Com isso, arrisca-se a perder os votos da direita ultrarradical e de parte da direita mais esclarecida. Mas ganharia quase todos os votos da esquerda e parte da centro-direita, consciente de que os tempos são outros.

Obama pode estar simplesmente fazendo o jogo político. Como já considera perdidos os votos à direita e ganhos os votos à esquerda, contar ou não contar o que vai fazer no caso do escudo anti-mísseis não faria diferença alguma. Na dúvida, é melhor ficar calado. É uma solução safada, mas não deixa de ser uma solução.

No mérito mesmo, contudo, espera-se que Obama – “mais livre” depois da eleição – realmente jogue a pá de cal nessa idéia estapafúrdia de fazer um escudo anti-mísseis na Europa. Primeiro, porque o motivo é falso. Nem Coréia do Norte e nem muito menos o Irã detém tecnologia suficiente para encaixar uma bomba num míssil apto a alcançar a Europa. A Rússia é a única que tem, e não se imagina que vá fazer algo do gênero nos tempos de hoje, já que nem nos tempos da Guerra Fria isso chegou a acontecer.

A idéia do escudo anti-mísseis, na verdade, á uma idéia republicana, baseada no mais atrasado ideário anticomunista presente no imaginário americano. Tudo bem que o programa Guerra nas Estrelas, do republicano Ronald Reagan, foi o verdadeiro responsável pelo fim da União Soviética. Enquanto os americanos gastavam 5% do PIB com a corrida armamentista, os socialistas gastavam 30%. Mas daí a continuar a “projetar” o poder dos Estados Unidos no mundo com base num sistema multibilionário e de eficácia duvidosa, vai uma grande distância.

Um escudo anti-mísseis não tornará a Europa nem muito menos o mundo mais seguro. O único modo de fazê-lo é coordenar a redução dos arsenais nucleares mundo afora, Estados Unidos e Rússia à frente. Sem isso, a ameaça de um holocausto nuclear continuará vagando por aí, latente, até o dia em que algum maluco resolver apertar o botão.

Se Obama seguir por esse caminho, seguirá bem, e – quem sabe – terminará seu segundo mandato justificando o Nobel da Paz que injustamente recebeu em 2009.

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