O tráfico do crédito, ou Por que toda desgraça pra banco é pouco

Um dos meus alvos preferidos para destilar veneno são as casas bancárias.

Mercadores de dinheiro, traficantes de crédito, os bancos deveriam ser objeto de repulsa de cada cidadão decente do país.

A maioria me pergunta: “Sim, mas por quê?”

Bem, com o conhecimento de causa de quem já trabalhou em um, posso dizer: Toda desgraça pra banco é pouco.

Seguinte: o negócio do banco é ganhar dinheiro. Até aí tudo bem, porque todo mundo que vive numa sociedade capitalista tem mais é que ir atrás de construir seu ganha pão. O problema, no caso dos bancos, é o modo como eles o fazem.

Pra começo de conversa, nem toda pessoa pode ter crédito. Há pessoas que tem problemas psicológicos, dependência mesmo da sensação de dinheiro fácil. Há outras que simplesmente não conseguem se organizar diante de tantos números. E há, é claro, as pessoas que conseguem lidar com tudo isso de forma fácil e financeiramente saudável.

Para os bancos, não há distinção. Você não tem capacidade para ter crédito? Não interessa. O banco te dá uma linha de cheque especial (9% a.m). Não consegue se organizar com tantas coisas a pagar? Sem galho. O banco te dá um cartão de crédito com limite bem generoso (11% a.m).

E mesmo que você se afunde em dívidas, baseadas no crédito que o banco jamais deveria ter concedido, ele vem “generosamente” lhe estender a mão. Refinancia-as, “corta” os juros e lhe “devolve” a capacidade de gastar.

O que pouca gente percebe é que, nesses casos, os bancos têm uma atuação muito similar a tipo deletério de comerciante: o traficante de drogas.

No caso dos bancos, a primeira coisa é oferecer o objeto do vício (crédito). Depois, fazer com que você utilize-o até não poder mais (afundar no vício). No momento em que, por impossibilidade material, você não pudar mais sustentar o vício, seu nome será inscrito nos cadastros de restrição ao crédito e você ficará impossibilitado de usá-lo. Nessa comparação, o SPC funcionaria como uma clínica de reabilitação.

Mas aí o que acontece?

O banco, muito bozinho, lhe propõe um “refinanciamento da dívida”. Seu estouro no cheque especial, que somava uns R$ 5.000,00, poderá ser pago agora em módicas prestações mensais de R$ 100,00. E aí, pagando apenas R$ 100,00 de uma dívida de R$ 5.000,00, o sujeito volta a ter crédito.

Por que o banco faz isso?

Primeiro, por uma razão objetiva. Depois de algum tempo sem receber do devedor, o banco é obrigado a lançar o que era crédito bom (ativo) em crédito em liqüidação (passivo). Com isso, ele “perde” os R$ 5.000,00 que tinha a receber e, ainda por cima, é obrigado a desembolsar outros R$ 5.000,00 para fazer frente aos R$ 5.000,00 que deixou de receber de você.

Parcelando a dívida, automaticamente o que era prejuízo volta a ser contabilizado como lucro. E como são 100 parcelas mensais de R$ 100,00, ao invés de um prejuízo de R$ 10.000,00 (5 mil que você deixou de pagar + 5 mil da provisão de dívida), o banco poderá lançar um crédito bom a receber de R$ 10.000,00.

Ou seja: num passe de mágica, o banco teve um lucro de R$ 20.000,00 (10 mil que deixou de ser prejuízo e que se tornaram 10 mil em ativos).

Enquanto isso, do outro lado do balcão, o viciado volta a ter acesso ao crédito, e consumirá ainda mais as linhas de crédito oferecidas pelo traficante.

No final, um sujeito financeiramente destruído e uma família emocionalmente destroçada.

Tudo à custa da ganância da banca.

Por isso eu repito como mantra: “Toda desgraça pra banco é pouco”.

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