A “pseudodireitização” da Europa

Desde o ano passado, quando a crise chegou braba na Europa, tem havido uma significativa mudança no eixo de poder interno de vários países. Como dominós em seqüência, um após o outro, vários governos europeus foram sucumbindo nas urnas à virulência da crise econômica. Em Portugal, na Espanha e no Reino Unido, governos socialistas foram sucedidos por conservadores. Num precário raciocínio dedutivo, boa parte da imprensa logo se apressou em concluir que a Europa estava sendo varrida por uma onda direitista.

Até aí, nada demais, não fosse a conclusão igualmente superficial e apressada de associar a direita européia – toda ela – a políticas xenófobas e racistas. Isso só é parcialmente verdadeiro em relação a alguns países, como a Áustria, em que parte da direita radicaliza com discursos cujo conteúdo faz arrepiar de tão semelhantes que são aos discursos nazistas. No restante, porém, a direita representa nada mais do que o clássico pensamento liberal, tanto político como econômico: intervenção mínima do Estado, respeito às leis e criação de um ambiente econômico potencialmente favorecedor da criatividade produtiva.

Mas isso não é o pior. O pior é que essa”tendência” defendida pela imprensa é simplesmenta falsa.

Não há, no panorama europeu, um processo de “direitização” dos governos. O que há é uma débâcle econômica a promover uma mudança natural e saudável entre situação e oposição. Com o cinto apertado e a geladeira vazia, o eleitor europeu vota no contrário na esperança de que a oposição traga algo de diferente ao cenário político. De preferência, com menos aperto e mais crescimento econômico. Subestimar o potencial eleitoral da situação econômica é um dos erros mais primários nas análises econômicas. Pena que os analistas de ofício não consigam enxergar verdade mais palmar.

Ao contrário do que defendem os mais apressados, não há uma mudança de orientação ideológica por trás da mudança do voto do eleitor europeu. Há uma mudança de circunstância econômica, algo a sugerir que o país como um todo anda na direção errada, e que a alternativa é mudar o governo para ver se as coisas melhoram. Como decifrara James Carville – marqueteiro de Bill Clinton – há mais de duas décadas, “É a economia, idiota”.

A história está cheia de casos assim. No Brasil, por exemplo, só a tragédia produzida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso explica a eleição de Lula. Da mesma forma, só a desgraça de George W. Bush tornou possível que hoje um negro ocupasse a Casa Branca.

Na Europa, não se passa coisa diferente. Se os governos “esquerdistas” de Portugal, Espanha e Reino Unido foram derrotados por candidatos de direita, na Itália e – provavelmente – na França foram sucedidos por governos progressistas. O que define a derrota ou a vitória de uma coalizão na Europa, hoje, não é a sua coloração ideológica, mas a circunstância de estar ou não no poder. Situacionistas vêem a vaca indo pro brejo, ao passo que oposicionistas esfregam a mão para assumir a caneta. Disso não decorre uma ordem de “Direita, volver!” para o continente.

Alguma coisa vai mudar com a ascenção da oposição ao poder?

Eis a pergunta que não quer calar.

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