Como prometido, eis o artigo do meu amigo Carlos Marden mostrando uma opinião inteiramente diversa da do autor sobre o caso do CNJ. Recomendo a leitura, de modo a ampliar a visão dos visitantes sobre o assunto.
Quem tem medo do Conselho Nacional de Justiça?
A convite do proprietário do blog, venho fazer algumas considerações sobre a grande polêmica que hora mobiliza o Supremo Tribunal Federal e grande parte dos juristas do país. Copiando descaradamente a postagem do Autor, eu explico que “em resumo, o dilema é o seguinte: o CNJ pode abrir processos contra magistrados sem que antes tenha sido aberta investigação pelas corregedorias locais? Ou deve esperar a atuação prévia das corregedorias para só depois atuar? Em juridiquês claro: a competência do CNJ é “concorrente” ou “subsidiária”?”
O problema é o mesmo, mas a minha resposta é oposta: a meu ver, o Conselho Nacional de Justiça deve sim ter competência concorrente em relação às corregedorias dos tribunais e acho que isso pode se aplicar, inclusive, aos casos de denúncias contra os magistrados de primeiro grau. Explico, a começar pela questão constitucional…
As competências do Conselho Nacional de Justiça estão elencadas no artigo 103-B da Constituição Federal, em cujo inciso III do §4° se lê que compete ao órgão “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”.
Ora, este inciso, por si só, já seria suficiente para resolver a questão a meu ver! Que a expressão “sem prejuízo” significar que a competência disciplinar das corregedorias está preservada, me parece que não há qualquer dúvida. Entretanto, não há qualquer sinal de que exista uma hierarquia que deva ser respeitada… A expressão em questão denota exatamente que uma corregedoria não vai depender da outra e, se lhe é dado o direito de avocar processos ou de rever decisões (inciso V), trata-se apenas do caso de competências adicionais, não havendo porque entender que elas se condicionam e se limitam.
Para que não pareça que estou dando uma interpretação arbitrária, trago alguns exemplos nos quais a própria Constituição Federal usa a expressão “sem prejuízo”:
a) Artigo 7°, XVIII: licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
b) Artigo 30, III: compete aos Municípios instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
c) Artigo 37, §4°: os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível;
d) 103-B, §4°, II: zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; e
e) Artigo 198, II: é uma diretriz do Sistema Único de Saúde atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
Ao todo, a Constituição Federal usa a expressão “sem prejuízo” 27 (vinte e sete) vezes e em todas elas, sem exceção, trata-se de coisas que devem acontecer que maneira concorrente! Ou alguém acha que o atendimento no Sistema Único de Saúde deve ser negado até que se comprove que foram esgotados os serviços assistenciais? A lógica é tal canhestra, que o próprio artigo, no inciso II, usa a mesma expressão para se referir à “competência do Tribunal de Contas da União” e ninguém discute que uma coisa não depende da outra!
Evidente, portanto, que a interpretação esquisita é exatamente a que pretendem alguns membros do Poder Judiciário, na medida em que querem que uma expressão tenha em um dispositivo específico, interpretação contrária à uniformidade demonstrada em todo o texto constitucional! Mas a interpretação sistemática não é a única disponível… Vamos nos valer da histórica e teleológica!
Como todos sabem, o Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional n° 45/04, depois de uma longa discussão na sociedade em torno do tema do controle externo do Poder Judiciário; até que, em determinado momento político, a coisa se tornou insustentável e a reforma do Poder Judiciário parecia realmente avançar a passos largos. No seio de tal reforma, estava embutida a questão do controle externo, resultado da intolerância da sociedade com a impunidade que grassava no Poder Judiciário, na medida em que, quando do julgamento de seus membros, o corporativismo se sobrepunha diuturnamente à moralidade e à legalidade!
Estando patente que a reforma seria aprovada, a magistratura conseguiu uma vitória que mitigava o controle externo: conquistou o direito de emplacar 09 (nove) dos 15 (quinze) ministros que compõem o Conselho Nacional de Justiça! Pessoalmente, até considero isso correto, mas é um fato histórico que tem relevância pra nossa discussão… Surgia, então, o Conselho Nacional de Justiça, com a finalidade precípua de acabar com a bandalheira que era o Poder Judiciário!
Durante quase 08 (oito) anos, o Conselho Nacional de Justiça vem funcionando dentro do esperado e são inquestionáveis os avanços conquistados depois de sua instituição, apesar das críticas (algumas justas) que ele enfrenta! Apesar de serem vários os casos de denúncias vazias, não há qualquer notícia de caso de punição indevida a um dos membros do Poder Judiciário, até porque seria risível imaginar que, com esta composição, houvesse alguma espécie de perseguição…
Quanto à questão do duplo grau de jurisdição, não há nenhum lugar na Constituição Federal que o assegure para o caso de processos administrativos (disciplinares). Quando o artigo 5°, LVI fala sobre o tema, diz apenas que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por tal motivo, mesmo no caso do processo judicial, os que entendem que o duplo grau é assegurado, fundamentam a sua posição na própria estrutura que a Carta Magna deu ao Poder Judiciário, como se fosse uma espécie de princípio implícito.
Daí eu pergunto: a quem interessa, portanto, a restrição da competência do Conselho Nacional de Justiça?
Que me desculpem os terroristas de plantão, mas condicionar a atuação do Conselho Nacional de Justiça à atuação das corregedorias dos tribunais é não apenas dar uma interpretação distorcida ao artigo 103-B, §4°, III da Constituição Federal, como significa também ignorar todos os eventos históricos que levaram ao surgimento do órgão! Mais do que isso, implica verdadeira alienação do propósito para o qual o Conselho Nacional de Justiça foi criado, em favor da volta de um nefasto status quo ante, que nós parecemos ter esquecido!
Caro amigo, concordo que o Supremo Tribunal Federal está emparedado! Mas pela magistratura… Ou melhor, pelos seus membros podres, que, além de se corromper, colocam em xeque a credibilidade de um Poder Judiciário com tantos valorosos e honestos magistrados que nós dois conhecemos!
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Através deste artigo, o amigo Carlos Marden nada mais fez do que unir milhões de brasileiros que lutam por um Brasil justo, milhões de cidadãos trabalhadores que não aguentam mais ver essa banda podre agir às claras e se sentar “às escuras”. Temer o CNJ é assinar um atestado de culpa, se dizendo inocente!
Um abraço ao amigo Carlos Marden e ao blogdomaximus.
Ferramentas como esta devem ser usadas e divulgadas diariamente!
Obrigado, Fabricio. Mas só pra deixar uma coisa bem clara: ninguém aqui é contra ou “teme o CNJ”. Se você assistiu à sessão de julgamento, você pôde ver que nenhum dos 5 ministros vencidos era contra o CNJ. A questão era puramente técnica: o CNJ pode atuar desde logo, ou somente em caso de inoperância – real ou produzida – da corregedoria local? O problema foi que, graças à atuação passional da Ministra Eliana Calmon, o julgamento sobre essa questão técnica adquiriu ares de Fla x Flu, como se todos que defendessem a subsidiariedade da atuação do CNJ fossem contra a própria atuação do CNJ, o que não é verdade. Um abraço.