Desde o começo da semana o noticiário tem sido invadido por um tsunami de notícias sobre a reintegração de posse de um terreno em São José dos Campos. Com a ressalva necessária de quem não leu o processo, até onde a vista alcança pode-se dizer: o jogo político e o sensacionalismo da imprensa estão afastando o Brasil cada vez mais de sua afirmação como Estado de Direito.
O caso é o seguinte: havia um terreno na cidade, de mais de 1 milhão de metros quadrados. Há 8 anos, algumas pessoas sem casa deram ao terreno um fim que julgaram adequado: transformaram-no em espaço para casebres construídos com alguma alvenaria e cimento. O terreno pertencia a uma empresa do famigerado Naji Nahas, notório no país inteiro desde o episódio da quebra da Bolsa do Rio de Janeiro, em 1989. Credores da empresa habilitaram-se na massa falida e, como quisessem recuperar seus créditos, encontraram no terreno uma oportunidade para solvê-los.
É aí que a porca começa a entortar o rabo.
Do ponto de vista jurídico, a solução não poderia ser mais perfeita. Há uma empresa falida; a empresa tem um bem; o bem deve ir a leilão para pagar quem tomou calote.
“Sim, mas há gente morando no terreno”.
São donos dele? Não.
Já passaram tempo suficiente para usucapi-lo? Também não.
Qual a solução? Retirá-los através de ordem judicial.
Foi exatamente o que fizeram os credores e a massa falida. Pediram a reintegração de posse do terreno para poder leiloá-lo. Do ponto de vista da juíza que deferiu a reintegração, não havia outro caminho a seguir. Ignorar o pedido seria fechar os olhos para o problema. Indeferi-lo seria contrariar as regras do jogo.
Os mesmos políticos que agora denunciam a “truculência” da ação judicial poderiam ter feito N coisas para impedir o drama materializado nas famílias que se viram agora sem ter onde morar. Poderiam ter construído um conjunto habitacional para recebê-las. Poderiam ter realocado-as em outras moradias, através do pagamento do aluguel social. Ou, no limite, poderiam ter simplesmente desapropriado o terreno, e pagado aos credores da massa o valor justo pelo terreno, e deixando as 1.500 famílias do Pinheirinho morando em condições insalubres.
Nada disso foi feito. Agora, uns acusam os outros num jogo de empurra que só denuncia a mesquinhez de quem pretende auferir dividendos eleitorais com base no sofrimento alheio.
A grande questão que ficou em segundo plano nesse imbróglio todo foi que a reintegração da área deu-se dentro das regras do Estado Democrático de Direito. Não se trata de reduzir o problema a uma lógica populista de “tirar um terreno dos pobres para dar para os ricos”, como bem apontou Ricardo Setti. Não houve “violência” na desocupação em si (com a ressalva de que não acompanhei a ação para saber se houve excessos da polícia). Violência seria fazer com que os credores da massa pagassem pela leniência do Poder Público.
Por essas e por outras é que o Brasil, mesmo ultrapassando o Reino Unido como sexta economia do mundo, ainda tem um longo caminho a percorrer até se igualar a ele no quesito desenvolvimento humano.