Pra quem não sabe, por um breve período da vida este que vos escreve foi um infeliz bancário.
Ok. Eu sei que não se deve cuspir no prato em que comeu. Mas, sinceramente, só quem já passou pela experiência pode entender por que razão a atividade bancária está sempre nas cabeças no ranking de profissões a induzir o suicídio.
De todo modo, a despeito dos problemas da profissão, aprendi muita coisa lá. Tratava-se de um programa de aprendizagem. Trabalhávamos pela tarde e, à noite, tínhamos aulas de uma espécie de “curso de formação”. Algo parecido com os programas de trainees de hoje em dia.
O propósito era formar gente capacitada a entender e a trabalhar em qualquer área do banco: atendimento ao público, contabilidade, cobranças, etc. Para o banco, era um negócio da China. Pagava-se pouco por mão-de-obra jovem, qualificada e disposta. Ao final, o banco teria um super-time de funcionários, entendidos em praticamente tudo que fizesse parte da atividade bancária. Poderia, a seu gosto, distribuir os formados em qualquer área em que houvesse necessidade de pessoal. Para nós, embora o salário fosse baixo, ainda assim era muito mais dinheiro do que um jovem de classe média “média” poderia sonhar em ter. Algo como conquistar a “independência financeira” antes dos 20 anos. “Independência financeira”, leia-se, poder pagar o colégio e ainda sobrar dinheiro para sair à noite, boates, comprar presentes, tudo sem ter de pedir aos pais. Convenhamos: pra quem normalmente tinha de mendigar dinheiro para uma balada, um grande upgrade na vida.
Em uma parte desse curso, fomos ter aulas sobre compensação bancária. Trata-se do sistema de pagamentos entre os bancos. Ao contrário do que muita gente pensa, o banco nem sempre transfere dinheiro diretamente da sua conta para outro banco em que você fez um pagamento. Funciona mais ou menos assim:
Juntam-se todos os cheques, cobranças, títulos e etc. Faz-se um somatório geral das importâncias movimentadas para, ao final, transferir-se ou não dinheiro de banco pra banco. Tipo: há 100 clientes do Banco do Brasil que gastaram, no total, R$ 100 mil em pagamentos ao Itaú. Os clientes do Itaú, por sua vez, pagaram ao Banco do Brasil R$ 80 mil. Assim, o Banco do Brasil transfere ao Itaú apenas R$ 20 mil (R$ 100 mil – R$ 80 mil). Evita-se com isso o retrabalho, isto é, trabalhar duas vezes. Otimiza-se o serviço e economiza-se o dinheiro.
Para explicar isso pra gente, o instrutor nos levou até a sala do banco em que ficava a máquina de compensação. Um negócio gigantesco, que “lia” os cheques os títulos e fazia essa operação de soma automaticamente. Ao lado dela, uma idêntica. Parada. Sem sinal de que tinha sido utilizada há muito tempo.
Curiosos, nós perguntamos:
“Essa máquina não está sendo usada?”
Ao que o instrutor respondeu:
“Não. Ela quase nunca é usada”.
Sem entender, replicamos:
“Ué? Mas se quase nunca é usada, pra que duas?”
Sem pestanejar, o instrutor respondeu:
“Regra geral da administração bancária, meus caros. Quem tem dois, tem um. Quem tem um, tem nada”.
Em outras palavras: a outra máquina estava ali somente para o caso de a outra pifar. Se é natural que uma máquina venha a dar defeito, estatiscamente esse risco cai a quase zero se você tem à mão uma alternativa imediata para substitui-la. Isto é: é quase nula a possibilidade de que ambas dêem defeito ao mesmo tempo.
Além do dinheiro ganho, o período como bancário serviu para aprender a lidar com as agruras do mundo adulto, especialmente como tratar com dinheiro. Em suma: mesmo das coisas ruins é possível tirar coisas boas, se você tiver disposição para aprender com elas.
Uma lição que ficou para o resto da vida.