Um fenômeno relativamente recente que mereceria um estudo sociológico mais aprofundado é o que tem ocorrido com as eleições no Brasil. Principalmente no âmbito municipal e estadual, cada vez mais os candidatos eleitos são aqueles que se portam como “vendedores” da cidade ou do Estado. Renega-se a orientação política de seu partido, ignora-se sua plataforma ideológica e até mesmo suas preferências pessoais. O importante é saber se o sujeito é um bom mascate. E ponto final.
Isso pode parecer bom, em princípio. Afinal, “vender” sua terra natal significa, quase sempre, trazer mais empresas, mais investimentos, mais empregos, mais renda. Todo mundo ganharia, não é verdade?
Nem tanto.
Instalado o vale-tudo por investimentos, o eleito joga no lixo qualquer resquício de escrúpulo político-ideológico e sai à caça de dinheiro. Não importa, por exemplo, se ele se declara “ecológico” e foi apoiado pelo Partido Verde quando a decisão é de conceder ou não incentivos fiscais a uma termoelétrica movida a carvão. Também não importa saber o que está posto no Código de Obras do Município quando a decisão é saber se se instala ou não uma megahiperultra Shopping Center onde antes era uma área verde de 20ha. O que importa é “trazer investimentos”, pra depois vender na televisão a imagem de “empreendedor”.
Não que não seja importante fazer isso. Mas fazer política não é só isso. É muito mais. Passa por pensar que tipo de desenvolvimento se quer pra cidade. A cidade tem vocação industrial, comercial ou de serviços? A cidade tem potencial turístico? Quais são os fluxos “migratórios” durante o dia, ou seja, como se dão os deslocamentos dentro da cidade (norte-sul, leste oeste)?
Em Fortaleza e no Ceará, por exemplo, parece-se que se faz tudo ao contrário.
Fortaleza é uma cidade litorânea. Em qualquer lugar do mundo, uma cidade à beira-mar estrutura-se em função do litoral. É na beira-mar que devem estar as áreas mais nobres, as áreas públicas mais valorizadas e onde a força das leis públicas deve-se fazer mais presente.
Na “Loura desposada do Sol”, o mar é renegado. A Beira-mar é o escoadouro de todos os dejetos citadinos. A “Praia do Futuro”, embora mais limpa (mas nem tanto), é um deserto. Só recebe banhistas no final de semana e, ainda assim, somente para beberem e comerem nas barracas de praia, a imensa maioria construída irregularmente em terreno de marinha.
Além disso, não há qualquer pracinha, parque ou área de lazer digna do nome em qualquer das áreas à beira-mar. Todos os terrenos foram ocupados por arranha-céus que, além de feios, prejudicam a circulação de vento dentro da cidade. Isso quando o Código de Obras do Município determina expressamente que não se podem construir prédios com mais de cinco andares à beira-mar. Tudo em nome dos “empregos” gerados pela construção civil, normalmente o setor mais predatório de qualquer aglomerado urbano.
Mas o problema não é só da prefeitura. O Governador do Estado, Cid Gomes, que adora vender-se como um sujeito “moderno”, “antenado com as novas tendências da moda” e que tem até Twitter, queria porque queria colocar um estaleiro na interseção entre a Beira-mar e a Praia do Futuro, ao lado do Porto do Mucuripe. Não sem antes liberar a toque de caixa o licenciamento ambiental de uma termoelétrica a carvão da MPX, empresa de Eike Batista. Além de” matar” a área para o resto da população, o “empreendimento” ia na contra-mão da vocação da cidade, desde sempre comercial e pretensamente turística. Pra quem não sabe, não há indústrias em Fortaleza; todas ficam na área metropolitana, a maioria em Maracanaú.
Nessa hora, Luiziane Lins deu talvez a sua única grande bola dentro de seu mandato. Bateu o pé e disse que não concederia o licenciamento para a obra. Mesmo diante da enorme pressão do governador – que é seu aliado – e de parte da imprensa. Contra a chantagem dos “empregos perdidos”, Luizine disse que revitalizaria a área, num projeto chamado Vila do Mar. Todo mundo sabia que era conversa mole. Ninguém apostava um tostão furado que a prefeita fosse capaz de realizar uma obra de R$ 150 milhões numa área degradada quando, em 6 anos de mandato, não conseguiu inaugurar uma mísera obra. Valeu pelo pretexto, e o estaleiro, pra desespero dos bairristas cearenses e dos “empreendedores”, foi para Pernambuco.
Outro exemplo deixa ainda mais claro o quanto a cidade é planejada na base do soluço e dos espasmos.
Entre os “legados” que a Copa promete deixar pra Fortaleza, está a Via-Expressa Norte-Sul. Ligará a Beira-mar à Parangaba, passando pelo caminho no Castelão. O propósito é claro: ligar a área hoteleira ao estádio onde serão realizados os jogos.
No entanto, ninguém deu conta do seguinte: o trânsito em Fortaleza é majoritariamente leste-oeste, não norte-sul. A cidade, como caranguejo, anda de lado, não na vertical. Depois da Copa, a Via-Expressa servirá pra nada. Quatro pistas de um lado, quatro pistas do outro, com um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) no meio ligando o nada a lugar nenhum (isso se você acreditar que a construirão a tempo para a Copa).
Vai mal o país quando os políticos – e o povo que vota neles – prestam mais atenção e dão mais importância aos sujeitos que constróem obras a qualquer custo, passando por cima da lei, da população e do que mais estiver pelo caminho. Coerência ideológica, firmeza de propósitos e respeito às leis passam ao largo da cabeça na hora em que o eleitor está pra pressionar o dedo na urna.
É uma pena. Do jeito que anda a coisa, não se espante se num futuro próximo os eleitos sejam vendedores de porta-em-porta.