Só no gogó

Pra não perder o costume, vou atacar de Churchill novamente.

Churchill foi o cara. Sozinho, conseguiu fazer com que a Inglaterra não fizesse a paz com Hitler, algo que o deixaria livre para reordenar a Europa como bem entendesse.

Churchill estava careca de saber que a Inglaterra não venceria Hitler. Mas ele sabia que, quando os Estados Unidos entrassem na guerra, o jogo mudaria. Conseguiu – como explica maravilhosamente John Luckacs em Cinco Dias em Londres – fazer com que Hitler perdesse a sua guerra.

Mas, para evitar manter o ânimo do povo inglês naqueles tempos sombrios, Churchill não tinha muitos recursos. Dinheiro? Faltava-lhe. Armamentos? Faltavam-lhe. Gente disposta a lutar? Havia, mas de vez em quando importavam-se clandestinamente americanos para enfrentar os alemães no céu do Canal da Mancha.

Churchill usou o único recurso que tinha: a palavra. E que palavras!

Se há um personagem que rivaliza com Shakespeare quando a matéria é “frases-que-entraram-para-a-história”, esse personagem é Churchill.

Sua retórica era ruim. Churchill tinha dificuldades de fala; o aspecto de sua voz não era nada agradável. Parecia que estava permanentemente de porre, balbuciando impropérios. Ele sabia que tinha que escrever melhor para se sobressair. Era no conteúdo dos discursos que estava a sua guerra. E foi aqui que ele se revelou um mestre da palavra.

Sabendo que França se rendera à Alemanha, Churchill tinha que anunciar aos seus compatriotas que, dali em diante, eram só eles que separavam Hitler da vitória final. Fazer isso contra uma força que parecia invencível, valendo-se de uma nação fragilizada, que não era sequer a sombra do “Império-onde-o-sol-não-se-põe”, convenhamos, não era nada fácil. Churchill queria dizer a verdade. Mas dizê-la de tal modo que, contra todas as possibilidades, fizesse crer nos ingleses uma vitória distante. Churchill escreveu, então, o seu discurso The Finest Hour (o melhor momento).

Nesse discurso, diz Churchill:

Let us, therefore, brace ourselves to our duties, and so bear ourselves,

That if the British Empire and its Commonwealth last for a thousand years,

Men will still say: “This was their finest hour”.

(Vamos, portanto, nos unir em torno de nossos deveres, e saber que, se o Império Britânico e a Comunidade dos Estados Britânicos durarem mil anos, os homens ainda dirão: “Este foi o seu melhor momento”.)

Com o continente europeu aos seus pés, Hitler cometeu o primeiro de sua longa lista de grandes erros: decidiu atacar a Inglaterra pelo ar. Cedeu, depois de muita insistência, aos apelos de Herman Göring, o comandante de sua força aérea e um de seus conselheiros militares mais confiáveis. A esperada Batalha da Inglaterra seria travada nas nuvens, não em solo inglês.

A decisão relevou-se um desastre. A Luftwaffe foi destroçada pela Royal Air Force. Agradecido, Churchill fez um discurso em homenagem aos jovens, aos poucos jovens que, sozinhos, salvaram a vida de milhares que ficavam no chão. Churchill disse:

Never, in the field of human conflicts, was so much owed by so many to so few.

(Nunca, no campo dos conflitos humanos, tanto foi devido por tantos a tão poucos).

Quando o moral inglês arrefecia, Churchill estava lá, para não deixar a peteca cair. Ao saber que se espalhara um boato (verdadeiro) de que os alemães planejavam desembarcar tropas em solo inglês, diante do fracasso da ofensiva aérea, Churchill alertou:

We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds,

We shall fight on the in the fieds and in the streets,

We shall fight on the in the hills

We shall never surrender!

(Nós lutaremos nas praias, nós lutaremos nas pistas de pouso, nós lutaremos nos campos e nas ruas, nós lutaremos nas ruas, nós nunca nos renderemos!)

Já com os Estados Unidos na guerra, e antevendo a vitória que um diria viria, Churchill dava-se ao luxo até de tirar onda com Hitler:

Do your worst! For we will do our best!

(Faça o seu pior! Pois nós faremos o nosso melhor!)

E mesmo depois de deixar o posto de primeiro-ministro, Churchill continuava exercitando a palavra. Em mais de um de seus discursos, na Universidade de Fulton, nos EUA, Churchill alertava para o risco que a Europa Oriental corria por ter caído em mãos soviéticas. Foi nesse discurso que ele pronunciou pela primeira vez a expressão que viria a ser sinônimo da repressão bolchevique: Cortina de ferro.

From Stettin, in the Baltic to Trieste, in the Adriatic, an iron curtain has descended across the Continent. Behind that line lie all the capitals of the ancient states of Central and Eastern Europe: Warsaw, Berlin, Prague, Vienna, Budapest, Belgrade, Bucharest and Sofia. All these famous cities and the populations around them lie in what I must call the Soviet sphere, and all are subject, in one form or another, not only to Soviet influence but to a very high and in some cases increasing measure of control from Moscow.

(De Estetin, no [mar] Báltico, até Trieste, no [mar] Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atrás dessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e Oriental: Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia. Todas essas cidades famosas e as populações em torno delas estão no que devo chamar de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não somente à influência soviéticas mas também a fortes e em alguns casos crescentes medidas de controle de Moscou)

Pois é… Só no gogó, um único homem, cheio de vícios e de hábitos vulgares, conseguiu segurar uma nação inteira. Quem mais conseguiria?

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3 Responses to Só no gogó

  1. Avatar de Rômulo César Júnior Rômulo César Júnior disse:

    quando Monty se gabou de não ter vicios e ter hábitos salutares e por isso ser um héroi, Churchill se gabou de tê-los e por isso ser o chefe.:))) e muito antes do inicio da guerra Sir Churchill já alertava para o perigo que era o “bigodinho”. só quando Hitler invadiu a Polonia, causando, pela tangente, a queda do então primeiro ministro britanico Neville Chamberlain (que, cá entre nós, se mostrou um covarde) é que deram ouvidos à Sir Churchill.

  2. Avatar de Rômulo César Júnior Rômulo César Júnior disse:

    iniciei o post justamente com esta citação do post “pra desopilar”. quando li o final deste artigo lembrei-me automaticamente do que voce publicou lá. 😀

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