A imprensa sujando a ficha do Supremo

Certas coisas, de tão previsíveis, tornam-se irritantes quando acontecem.

A mais recente delas foi a crônica da crítica anunciada ao STF em relação ao julgamento da Lei de Ficha Limpa.

Deixe-se logo claro: o STF tem muitos problemas. Erra, e erra muito, o que acaba comprometendo a sua legitimidade e o respeito da população por ele. O caso do segundo Habeas Corpus pro Daniel Dantas no caso da Satiagraha é exemplo disso, só pra citar um caso recente.

Mas no caso da Lei de Ficha Limpa, não havia muito o que fazer. O artigo 16 da Constituição é claro como água:

“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Ora, o que a lei fez foi alterar as condições de um sujeito concorrer a um cargo eletivo. Muitos candidatos foram sumariamente excluídos do processo eleitoral, mesmo depois de já realizadas as convenções partidárias. Isso é ou não é “alterar o processo eleitoral”?

Agora, pululam por aí as teorias conspiratórias. “Ah, a Dilma conversou com o Fux antes de nomeá-lo pra se certificar que ele votaria desse jeito”; “Ah, o PMDB pressionou o Fux pra votar desse jeito, por causa do Jáder Barbalho”; e por aí vai.

Pior que isso são as “projeções” para o futuro: “Julgamento da Ficha Limpa prenuncia pizza no caso do Mensalão”.

Tudo isso pode ter ocorrido. Mas, sinceramente, acho muito difícil que tenha acontecido.

Pra começar, em termos da base parlamentar, as trocas relativas ao caso da Ficha Limpa resultaram em seis por meia dúzia: a base do governo nem aumentou, nem diminuiu; ficou do mesmo tamanho. Além disso, é um bocadinho difícil acreditar que o PMDB inteiro tenha pressionado pra salvar Jáder Barbalho quando se considera que, por causa desse julgamento, outros dois senadores foram arremessados pra fora do Senado.

É fato que o sistema de nomeação dos ministros pro STF é um processo de fancaria. O presidente escolhe alguém da conveniência dele. Ponto. A “sabatina” do Senado é só pra inglês ver. Nos EUA, que inventaram esse modelo, o Senado participa ativamente. Quando não quer, rejeita os ministros indicados pelo presidente. Por essas bandas, isso nunca aconteceu.

O sistema deve mudar? Na minha opinião, sim. Qual a melhor solução? Não faço idéia. Há dezenas de projetos no Congresso pra alterar o modo de nomeação de ministros do STF.

Tudo isso é espuma. O que se deveria estar se questionando é: por que o Brasil precisa de uma lei pra “impedir” candidatos sujos de se candidatar? Não é o povo quem elege? Não é ele o responsável por impedir que escroques de alta periculosidade alcancem o Olimpo legislativo?

Na verdade, querem transformar o STF em bode expiatório das mazelas do nosso próprio país. Sem Lei de Ficha Limpa, mas com uma população consciente, Jáder Barbalho jamais teria sido eleito senador pelo Pará.

“Ah, mas o Pará é um estado pobre. A população não tem condições de discernir entre os candidatos”, diriam alguns.

Ok. E dizer o que da população de São Paulo, estado mais rico do país, que elegeu Tiririca?

“Ah, mas Tiririca não conta; é voto de protesto”, outros replicariam.

Tá. Vão dizer o que da mesma população de São Paulo eleger e reeleger continuamente Paulo Maluf?

Como diria Shakespeare em Júlio César:

“The fault, dear Brutus, is not in our stars, but in ourselves”.

(A culpa, meu caro Brutus, não está nos astros, mas em nós mesmos)

 

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11 Responses to A imprensa sujando a ficha do Supremo

  1. Avatar de Ana Ana disse:

    Falou, bicho.

  2. Avatar de Chrystiane Pessoa Chrystiane Pessoa disse:

    O legislativo nada mais é do que a cara do povo. É apenas uma parcela desta população que a representa. Justo?

  3. Avatar de César Mourão César Mourão disse:

    è o Legislativo, particularmente a câmara dos Deputados é o retrato da própria sociedade, por um pouco ou muito manchado. Mas é difícil atribuir a culpa ao “diabo” do povo, considerado por tantos ( grande parte dos quais vota em quem “rouba mas faz”) como ignorante, despraparado para o voto etc. porém, eu acho a coisa mais complexa, explico: muitos dos que são eleitos pela primeira vez eram homens ( ou mulheres) honestos ou tidos como honestos e que, depois de eleitos, tornam-se descaradamente verdadeiras ratazanas. Talvez falte a nós que que nos indignamos com os “político” a capacidade de repudiarmos os atos não honestos ( eufemicamente falando) de nossos amigos ou conhecidos, a exemplo de sonegação consciente de impostos, não fornecimento da nota fiscal de serviços prestados ( os profissionais liberais) ou de venda efetuada; esperteza fraudulenta em pequenos negócios etc. Além disso, muitos de nós concordam em ser extorquidos por alguma ‘autoridade”, a fim de se livrar de um mal considerado maior ( uma multa, por exemplo). Depois desse livro, eu concluo que o grande mal é a falta de formação moral e educacional que privilegie, enalteça e compense o comportamento honesto e que leve à execração o desonesto ( talvez uma utopia) e que puna rigorosamente a corrupção, pelo menos aquela que, afrontosa e ostensivamente, atenta diretamente contra o Estado, mas finda realmente prejudicando a imensa maioris da sociedade, que não tem como se defender.

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      De fato, Comandante. Acho que o caminho começa em mudar-nos a nós mesmos. Se quisermos que seja diferente, devemos fazer diferente. E quando falo “o povo”, obviamente me incluo nele, também. Somos todos responsáveis pelas desgraças do nosso país. Abraços.

  4. Avatar de Rômulo César Mourão Rodrigues Rômulo César Mourão Rodrigues disse:

    Eu sei que você se inclui, porque, embora pertencente a elite intelectual, tem a exata( e não a falsa e demagógica de tantos) noção de cidadania, que vem ajudando a compreender neste blog.

  5. Avatar de joelson monte alto joelson monte alto disse:

    não podemos nos esquecer de macaco, rinocerante(ou foi hipopótamo), cacique juruna e outros similares que já se elegeram. tiririca, big brother, paulo malluf, fernando collor representam, como já se expressaram alguns, a face de nossa sociedade.

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      Pois é, Joelson. Acho que a gente vive meio como Dorian Gray: fazemos a maldade (elegemos os políticos) e depois não queremos ficar olhando pro espelho que a reflete (o parlamento eleito). Abraços.

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