Há pouco mais de dez dias, o Brasil enfim obteve as respostas a três perguntas pelas quais tantos ansiavam desde seis anos atrás:
“Quem matou Marielle? Quem mandou matá-la? E por quê?”
De acordo com as investigações da Polícia Federal, os irmãos Brazão, Domingos e Chiquinho, tinham interesse na especulação imobiliária em áreas controladas pela Milícia no Rio de Janeiro. Marielle, na visão do grupo, era um obstáculo a ser “superado” para que a grilagem urbana corresse impune. Sob a proteção do delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, os irmãos Brazão teriam contratado dois pistoleiros milicianos, Élcio Queiroz e Ronnie Lessa, que assassinaram a vereadora carioca no dia 14 de março de 2018.
Qual o problema?
Para além do assassinato da própria Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Seu irmão, Chiquinho, é deputado federal. Rivaldo Barbosa, acusado de criar as “condições” para o crime e depois impedir sua investigação, era então chefe da Polícia Civil fluminense. Todos, portanto, integrantes do topo da cadeia alimentar da rede estadual de poder.
Até outro dia, os problemas do Rio de Janeiro eram tratados nacionalmente a nível anedótico. Com quatro dos últimos seis governadores tendo passado algum ou muito tempo na cadeia (Antony Garotinho, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Wilson Witzel), a questão era saber qual seria o próximo governador do Estado a gozar dos serviços de hotelaria da penitenciária de Bangu. Com o caso Marielle, contudo, o câncer criminoso espalhado como metástase na estrutura estatal atingiu outro patamar, pior, mais grave e mais cruel.
Como ficou claro no caso Marielle, o crime corre solto no Rio de Janeiro porque elementos do próprio Estado foram cooptados por aqueles que atuam à margem da lei. A rapidez com que o caso foi solucionado após a entrada da PF apenas escancara esse fato. Não é que a Polícia Civil do RJ não conseguisse resolver o assassinato de Marielle. É que gente da cúpula da instituição estava trabalhando abertamente para impedir que o crime fosse solucionado.
Tal é o nível de degradação das instituições no Rio de Janeiro que é difícil imaginar que elas próprias possam dar início e levar a cabo um processo de depuração interna. Nesse contexto, ressurge uma idéia do cientista político, colunista e professor da UERJ, Christian Lynch: transformar o Rio de Janeiro em segundo Distrito Federal da República.
Não se trata exatamente de uma idéia nova. Ou, pelo menos, de algo que o Brasil não tenha vivido. Antes de Brasília, o Rio foi capital nacional por quase 200 anos. Mesmo depois da criação de Brasília, por algum tempo a cidade ainda conservou algum status de “segunda capital”, transformado que foi o antigo Distrito Federal no falecido Estado da Guanabara.
Quem acompanha o Blog há algum tempo sabe que este que vos escreve não é exatamente um fã da capital federal. Sua criação destinou-se, precipuamente, a afastar a classe política de sentir no cangote o bafo quente do povo revoltado. Com serviços públicos e segurança muito superiores aos das principais capitais brasileira, Brasília parece quase um enclave primeiro-mundista em um país de Terceiro Mundo. Naquela “Ilha da Fantasia”, pouca gente imagina o que se passa no resto do país e sequer tem noção da realidade pela qual passa a maior parte da população.
Obviamente, a essa altura do campeonato ninguém pode falar a sério em simplesmente transferir de volta toda a República de volta para a Baía da Guanabara, deixando o deserto e a poeira vermelha tomarem conta da cidade desenhada por Niemeyer. Por isso mesmo, a idéia de transformar o Rio de Janeiro em segundo distrito federal parece tão interessante.
Pra começar, poderíamos transformar aquele que é o nosso principal cartão de visitas internacional numa cidade realmente acolhedora e aprazível. A violência e a miséria escancaradas, associadas à corrupção entranhada na máquina do Estado, transformaram o que era o outrora orgulhoso Estado da Guanabara numa sucursal brasileira do narcoestado equatoriano. Com a transferência de alguns órgãos-chave e a injeção maciça de recursos federais (como ocorre hoje com o Distrito Federal), o Rio deixaria – numa hipótese otimista – de ser um maravilhoso cenário para uma cidade para se transformar, de fato, numa cidade maravilhosa.
Sempre se pode argumentar que o problema do Rio de Janeiro é crônico e simplesmente transformá-lo em segundo distrito federal não vai resolver nada. Pode ser. Mas o fato é: não se resolve o problema do Brasil enquanto não se resolver o problema do Rio de Janeiro.
Haverá, claro, quem leia este artigo e continue a enxergar as questões do Rio somente como um problema dos cariocas, como se o restante do país não tivesse nada a ver com isso. Essa postura negacionista e, de certa forma, conformista, é um erro, porém. Quando Marielle Franco foi assassinada, o Rio estava sob intervenção federal, comandada pelo general Braga Netto. Perguntado sobre o assassinato da vereadora, o então deputado federal Jair Bolsonaro disse que “nada tinha a declarar” sobre o caso.
Deu no que deu.
