Especial semanal – Autópsia do bolsonarismo: Qual o futuro da direita no Brasil?

Lula ganhou. Com ele, a esquerda no Brasil está de volta ao poder, após um breve interregno de seis anos (dois de Temer e quatro de Bolsonaro). O bolsonarismo cai pelas tabelas e se desmancha a olhos vistos. Depois da derrota de Rogério Marinho pela presidência do Senado, a penúltima dessa história tosca foi a denúncia formulada na madrugada de hoje pelo senador Marcos do Val, segundo a qual Bolsonaro e Daniel Silveira haviam articulado um plano infalível do Cebolinha para pegar o ministro Alexandre de Moraes, o todo-poderoso Xandão do STF.

O fato de o ardil ter vindo a público da forma atabalhoada que veio dá a exata medida do tamanho do barata-voa que deve estar rolando nos bastidores da extrema-direita. Uma vez quebrada a rede de proteção que o cargo de presidente oferecia para Bolsonaro e seus asseclas, instaurou-se um verdadeiro salve-se-quem-puder na extrema-direita brasileira. Parece que todo mundo quer tirar o seu da reta, com medo de que venha a ser a próxima vítima na lista do Xandão. Nesse contexto, a prisão hoje de Daniel Silveira apenas aumenta a intensidade do pânico entre a galera que tem contas a prestar com a Justiça.

Sabendo-se que a extrema-direita encontra-se – pelo menos até onde a vista alcança – eleitoralmente inviabilizada, qual futuro resta para a direita de verdade no Brasil? Fora certos “nichos de mercado”, a serem ocupados em cargos legislativos por gente como Carla Zambelli, a esquerda no poder veio pra ficar?

A resposta, claro, é um rotundo não.

Conforme já foi escrito inúmeras vezes aqui e alhures, é um erro imaginar que a vitória de Lula seja uma vitória exclusivamente da esquerda. O que houve mais propriamente foi uma derrota do bolsonarismo e da máquina pública para uma ampla coalizão que envolveu, para além da esquerda, o centro e boa parte da direita democrática. Sem eles, a coalizão petista teria ficando chupando dedo mais uma vez.

Entretanto, se é um erro imaginar que a vitória de Lula foi uma vitória da esquerda, é igualmente equivocado achar que Lula entregará o poder docilmente a uma coalizão de centro-direita no próximo pleito. Olhando para o seu ministério, parece óbvio que o babalorixá petista montou um time já pensando em 2026. Não por acaso, os ministérios de maior projeção política (Fazenda, Casa Civil, Educação e Desenvolvimento Social) foram ocupados por petistas de quatro costados (Haddad, Rui Costa, Camilo Santana e Wellington Dias). Se a coisa apertar, há ainda no campo esquerda não petista a alternativa Flávio Dino (Justiça).

Nessas circunstâncias, Geraldo Alckmin e Simone Tebet só seriam lançados com o apoio de Lula caso o caldo realmente entornasse e ele sentisse que deveria levar a aliança eleitoral mais para a direita. Mas, em condições normais de temperatura e pressão, só uma hecatombe tira o PT da próxima cabeça de chapa presidencial.

Seja como for, a menos que os petistas cometam muitos erros na Economia (nunca se pode duvidar dessa alternativa, ressalte-se), qualquer nome que chegue a 2026 apoiado por Lula e seu governo será tido como um nome forte na disputa. O que imediatamente coloca a questão: quem a direita colocará no páreo para tentar voltar ao poder na próxima eleição?

Nessa altura do campeonato, é demasiadamente cedo pensar em nomes. Embora já se ventilem balões de ensaio como Romeu Zema e Tarcísio de Freitas, ninguém sabe como ambos vão se sair nesses próximos quatro anos nos respectivos cargos e muito menos o que será do governo Lula daqui até 2026. Mais do pensar em nomes, portanto, o que a direita tem que pensar é numa estratégia. E, no topo das prioridades, está lançar ao mar tudo aquilo que puder ser identificado, ainda que remotamente, com o bolsonarismo.

Com efeito, grande parte do eleitorado que elegeu Lula em 2026 não morre de amores pela esquerda. Muito pelo contrário. O que houve foi uma repulsa generalizada a Bolsonaro e ao seu desgoverno. Montado numa – há de se reconhecer – brilhante estratégia de marketing, o ex-capitão da reserva conseguiu chegar ao poder com uma plataforma baseada em quatro premissas: militar (expulso do Exército), conservador (reacionário primitivo), cristão (“E daí? Eu não sou coveiro!”) e honesto (Alô, Queiroz?!). Bolsonaro se elegeu não sendo nenhuma dessas coisas, e o fato de o truque ter ficado batido explica em grande parte a derrota que sofreu na eleição passada.

Para voltar a se viabilizar eleitoralmente, portanto, a direita terá de juntar-se aos demais democratas (incluídos os da esquerda) para exigir punição severa a todos aqueles que cometeram crimes nos últimos quatro anos, em especial aqueles que atentaram contra a democracia e o Estado de Direito. O expurgo da extrema-direita é condição sine qua non para ampliar os espaços de diálogo desse espectro político na sociedade. Somente assim ela conseguirá recuperar as credenciais democráticas que lhe foram retiradas por esse desastre promovido pelos Bolsonaro e poderá evitar que gente realmente cristã, conservadora e honesta tenha de votar na esquerda tão-somente para garantir que terá direito a votar contra ela na próxima eleição.

E é importante que o próprio pessoal da esquerda se dê conta disso. A ressurreição do famigerado “nós contra eles” apenas potencializará a raiva que grande parte do eleitorado ainda nutre pelo PT. Sem uma direita democrática com quem dialogar, a oposição acabará cedendo a alternativas autoritárias que consigam mobilizar o sentimento anti-petista novamente. Já vimos esse filme em 2018 e sabemos muito bem como ele acaba. Não há por que querer rodar essa fita mais uma vez.

Resta-nos, pois, rezar para que nos próximos quatro anos o bolsonarismo seja morto e enterrado, para que dos escombros que ele deixou possa ser erguida uma direita verdadeiramente comprometida com a democracia, assumidamente liberal e reverente às tradições mais conservadoras da maioria da nossa população.

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