Não é segredo pra ninguém – ou, pelo menos, para aqueles que acompanham este espaço há algum tempo – a manifesta predileção do Blog pela sempre tão maltratada História. Aproveitando a efeméride trazida pelo desfile russo do dia hoje, vamos aproveitar a ocasião para tentar esclarecer uma dúvida que aflige muitos que estudam a Segunda Guerra Mundial: afinal, em que data deve ser comemorado o “Dia da Vitória”?
Antes de mais nada, deve-se esclarecer aos mais incautos que o “Dia da Vitória” não significa o dia em que a Segunda Guerra Mundial. Eurocêntrica como são quase todas as efemérides histórias – quem duvida, pode tirar a dúvida vendo as datas que marcam as mudanças de Era (Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea) -, o “Dia da Vitória” marca o dia em que os combates se encerraram no continente europeu. Como todo mundo sabe, a guerra continuou ainda por alguns meses no Extremo Oriente, onde americanos e o que restava do Império Japonês disputavam a primazia sobre o Pacífico. Bombardeadas atomicamente Hiroshima e Nagasaki, a paz que efetivamente encerrou a guerra só foi assinada em 2 de setembro de 1945, a bordo do encouraçado norte-americano Missouri.
Na Europa, contudo, as coisas acabaram um pouco antes. Espremida, de um lado, pelo avanço implacável das tropas aliadas e, do outro, pelo rolo compressor avassalador do Exército Vermelho, a Alemanha já estava completamente entregue. Sem nem sequer soldados disponíveis para fazer frente ao avanço das tropas adversárias, os alemães chegaram a cometer até mesmo a infância de colocar crianças com pouco mais de 10 anos para combater os aliados. Não há certeza factual quanto à data, mas especula-se que no dia 30 de abril Hitler se suicidou no seu bunker em Berlim, próximo à antiga Chancelaria do Reich. Dá pra frente, portanto, a Alemanha nazista passou a ser um cadáver em busca de um sepultamento.
Karl Donitz, o almirante alemão a quem Hitler confiara sua sucessão post mortem, sabia bem disso. Chamou de lado o Marechal-de-Campo Alfred Jodl e despachou-o para além das fronteiras inimigas, com o propósito de negociar os termos da rendição alemã. Donitz e Jodl nutriam uma vaga esperança de que os Estados Unidos e seus aliados europeus ainda vissem a União Soviética como um perigo a ser evitado. Com essa premissa na cabeça, a idéia era de que os aliados pudessem assinar uma paz em separado com a Alemanha, de modo a liberar as tropas nazistas mobilizadas a Oeste para enfrentar o rolo compressor soviético a Leste.
Comandante-em-chefe das tropas aliadas, o general Eisenhower farejou logo o cheiro de queimado. Uma vez que havia sido estabelecido na Conferência de Ialta a premissa básica de rendição incondicional da Alemanha, Eisenhower mandou Jodl ir tirando o seu cavalinho da chuva. Ou ele assinava a rendição total da Alemanha, ou nada feito.

Sem cartas na mão para jogar, Jodl assinou os termos da “rendição militar” alemã. O relógio batia as 23h do dia 7 de maio de 1945. E a cidade era Reims, capital da famosa região de Champagne, berço da famosa bebida borbulhante inventada pelos franceses.

Ao saber disso, Stalin subiu nas tamancas. Furioso com o fato de ter “ficado de fora” do grande momento de glória daquele terrível conflito, Stalin exigiu que uma nova rendição fosse assinada, desta vez em Berlim. E, claro, com a presença do alto comando soviético ao ato.
Preparou-se, portanto, para o dia seguinte – 8 de maio – um verdadeiro mise-en-scène na capital alemã. Com toda a pompa e circunstância que a ocasião requeria, assinou-se uma nova rendição das tropas nazistas. Por isso, na Europa Ocidental, comemora-se o “Dia da Vitória” no dia 8 de maio. Entretanto, como o ato foi assinado pouco depois da meia noite – e, de qualquer forma, já madrugada adentro segundo o fuso russo – na União Soviética (e posteriormente na Rússia), a data é comemorada hoje, dia 9 de maio.

E o que tudo isso comprova?
Comprova que, mesmo em grandes momentos da História, no meio de tantas personalidades importantes, o exercício da vaidade e da frivolidade humanas ainda desempenha papel fundamental na construção dos fatos históricos.