A economia brasileira no pós-pandemia, ou Mais um vôo de galinha?

“É a economia, estúpido!”, repetem 11 em cada 10 analistas políticos ao projetar cenários para o ano eleitoral de 2022. Sem saber nem sequer quem era James Carville – o sujeito que cunhou a expressão -, nem muito menos o que ela representa de fato – o miolo de uma estratégia marqueteira para alavancar a campanha de Bill Clinton em 1992 -, a maioria repete a expressão como uma espécie de mantra, como se todas as demais variáveis que influenciam uma disputa eleitoral fossem completamente irrelevantes.

Evidentemente, essa “tese” não passa de um reducionismo barato. Mesmo na campanha do então governador do Arkansas contra George Bush pai, no começo dos anos 90, a coisa não ficou circunscrita à recessão pela qual os Estados Unidos passavam. Além do bordão econômico, havia outras duas pernas que sustentavam a campanha à presidência: Change vs. more of the same (mudança vs. mais do mesmo); e Don’t forget health care (não se esqueça da Saúde). Foi esse tripé – e não somente the economy, stupid – que garantiu a vaga do esposo de Hillary Clinton na Casa Branca.

Mas o que esperar da nossa economia no ano que vem?

À primeira vista, as condições estão dadas. A imensa derrama de dinheiro no mundo pós-Covid inundou os mercados com um excesso de liquidez jamais visto na história da humanidade. Se a crise de 2008 já tinha mostrado o grande truque do quantitative easing (para saber mais, clique aqui), o Banco Central norte-americano multiplicou por quase uma dezena a quantidade de dólares despejada nos mercados após a verdadeira parada econômica imposta pela pandemia.

Como ninguém mais guarda dinheiro debaixo da cama, esse quantidade colossal de dinheiro tem que ir pra algum lugar. E, na cabeça da lista, estão as preferências de sempre: bolsas de valores, commodities e imóveis. A lógica, portanto, indicaria que o Brasil, como grande exportador de petróleo e minério de ferro, tenderia a se beneficiar desse novo ciclo de alta, o que impulsionaria o PIB do país e, consequentemente, contribuiria de maneira decisiva para a reeleição de Jair Bolsonaro.

À segunda vista, contudo, o buraco parece ser mais embaixo.

Antes de mais nada, deve-se dizer que não é exatamente a “economia” que ajuda a decidir uma disputa eleitoral. O que influencia de maneira decisiva o voto popular é algo muito mais abrangente, que pode ser resumido numa única expressão: “sensação de bem estar”. Com efeito, a “sensação de bem estar” vai muito além da quantidade de dinheiro que um sujeito possui na conta bancária. É algo que se remete às condições gerais do sujeito: se a sua vida pessoal está numa boa situação; se o trabalho está garantido e lhe dá prazer; se, mesmo assim, o cidadão acha que o país está indo bem, etc.

Explicado isso, pode-se entender como o mero crescimento econômico não implica – ou, pelo menos, não implica necessariamente – maior sensação de bem estar da população. Noves fora os mortos da pandemia, que dificilmente serão esquecidos daqui até outubro de 2022, o crescimento impulsionado pelo setor de commodities é algo restrito do ponto de vista macroeconômico.

Os setores de petróleo e mineração, por exemplo, não trabalham com mão de obra intensiva, como o setor de construção. Logo, não dá pra contar tão-somente com um eventual novo superciclo de commodities para aumentar o emprego, fazer a economia girar e impulsionar a “sensação de bem estar”, que é o que rende dividendos eleitorais. Ou, para recorrer à síntese magistral de Maria da Conceição Tavares, “ninguém come PIB”.

Deixando-se de lado os riscos de que um novo terremoto econômico possa dar as caras daqui até 2022 nas economias centrais – afinal, excesso de liquidez é igual a bolhas econômicas, e bolhas econômicas são iguais a crise -, o fato é que nós temos os nossos próprios problemas para nos atrapalhar. A baixa popularidade do seu governo já fez Jair Bolsonaro repensar sua adesão à agenda supostamente liberal de Paulo Guedes. Ele, que sempre vociferou contra o “Bolsa-Farelo”, agora quer um Bolsa-Família pra chamar de seu, turbinado e com o novo nome, na esperança de que a clientela do programa esqueça quem o criou: Lula.

O problema, óbvio, passa pelo teto de gastos. Como o “Auxílio-Brasil” não cabe no orçamento sem que se produza algum tipo de mágica, Paulo Guedes resolveu criar uma pedalada para chamar de sua. Ao melhor estilo Dilma Rousseff, o Posto Ipiranga achou por bem “parcelar” as dívidas resultantes de condenações impostas pelo Judiciário ao Governo. São créditos relativos a dívidas tributárias, não pagamento de pensões devidas e até indenizações por danos causados aos cidadãos. Créditos que, por sua natureza judicial, são líquidos e exigíveis em sua integralidade desde o lançamento. Portanto, o que se está propondo é uma espécie da calote: paga-se parte agora, e o restante em suaves prestações anuais por uma década.

Uma vez que o pessoal do mercado financeiro pode ser doido, mas não é burro, o resultado da mandrakaria fiscal de Guedes azedou o humor da galera da Faria Lima. Somando o problema do Auxílio-Brasil com as já anunciadas medidas de desoneração do diesel, aumento dos servidores e aumento da isenção do Imposto de Renda, o resultado é óbvio: menos rigor fiscal e mais inflação. Não por acaso, o dólar voltou pra casa dos R$ 5,30 e os juros para 2025 já roçam os dois dígitos nas melhores casas do ramo.

Com mais inflação, juros em alta e um ambiente institucional no mínimo duvidoso, como imaginar que a economia irá bombar no ano que vem? É difícil, portanto, projetar para 2022 uma reprise de 2006, quando Lula – alvejado pelo Mensalão – conseguiu se reeleger surfando a bonança criada pelo superciclo de commodities de então. Na eleição daquele ano, o Brasil crescia a taxas próximas de 4,5% ao ano, numa fase de aceleração. Agora, vem-se da pior recessão da história, com um repique meramente técnico do PIB neste ano, e já há gente boa no mercado projetando nova recessão do ano que vem.

Quem acha, portanto, que a economia decidirá a parada em 2022 pode muito bem dar com os burros n’água. Ou, por outro lado, pode até acertar a previsão.

Mas ela pode vir na mão contrária…

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