Dando início às comemorações do décimo aniversário do Dando a cara a tapa, vamos sair um pouco da rotina.
Como prometido, ao invés das análises anuais publicadas ao princípio de cada virada do calendário, desta vez faremos projeções para a década que ora nasce. Não faremos, portanto, o apurado tradicional dos chutes deste que vos escreve com os çábios do tal “Mercado” (que resultaria numa nova vitória do Blog, caso alguém tenha curiosidade de ir conferi-los aqui).
Neste ano específico, devemos dar um desconto pro pessoal do mercado financeiro. Afinal, 2020 foi profundamente marcado pelo signo da pandemia, o que evidente desequilibraria a partida para qualquer dos lados. E, para dar um refresco para o pessoal do “Mercado”, já cansado de tanto levar sova deste que vos escreve, nada melhor do que mudar o foco da discussão.
Obviamente, ninguém aqui vai fazer com as revistas dos anos 80, que previam carros voadores, comidas miniaturizadas que cresciam no microondas ou viagens no tempo. Seria, aliás, de todo inútil gastar latim discutindo se o homem vai ter colonizado a Lua, ido a Marte ou aberto alguma espécie de space boîte no espaço.
De fato, a maior parte dessas coisas faz parte do universo da ficção científica e por lá deve continuar por muito tempo. Mesmo as coisas que parecem (quase) ao alcance da mão, como a viagem do homem ao Planeta Vermelho, devem demorar ainda um bocado e, por mais que Elon Musk diga que não, dificilmente ocorrerão nesta década que se inicia agora.
Do ponto de vista econômico, a década encerrada no ano passado não foi lá muito diferente daquela que inaugurou este milênio. Heranças do século XX, como os carros e os combustíveis fósseis, começaram a ser ladeados, com cada vez mais frequência, por “brinquedinhos” da modernidade, como os smartphones, os tablets e os computadores portáteis.
Se há algo que de fato marcou a década passada foi a ascensão incontornável das redes sociais. Embora a maioria delas date do começo do século – o Facebook, por exemplo, explodiu em 2004 -, foi a partir dos anos 10 que as redes sociais começaram a tomar conta do nosso cotidiano. Quando Mark Zuckerberg descobriu que dava pra transformar em dinheiro os dados que nós, incautos usuários, dávamos de graça a ele ao navegar por sua plataforma, nunca mais a forma com a qual consumimos as coisas foi a mesma.
À primeira vista, pode parecer pouco, mas a monetização dos dados de navegação já está operando transformações profundas nas nossas vidas e na economia em geral. Hoje, a maior parte dos anunciantes já investe mais dinheiro em plataformas digitais (Google, Facebook, Instagram, etc.), do que naquilo que se convencionou chamar de “mídia tradicional” (revistas, jornais e redes de televisão).
O estrago é tão grande que a maioria dessas plataformas tradicionais está mudando paulatinamente para a Internet ou simplesmente fechando as portas, pela simples falta de dinheiro para bancar o negócio. Nem mesmo as outrora toda-poderosas redes de televisão têm escapado desse fenômeno. A difusão da internet em banda larga tem favorecido cada vez mais o consumo de mídia fora dessas plataformas. As provedoras de streaming, como Netflix e Amazon Prime, vêm a campo apenas para terminar o serviço que o YouTube já havia começado.
O que esperar, então, para a década seguinte?
Além do evidente aprofundamento de todas essas tendências, devemos ver mais algumas mudanças marcantes até o final desta década.
Pra começo de conversa, os combustíveis fósseis estão com os dias contados. Ou, mais especificamente, os combustíveis fósseis que abastecem os carros nossos de cada dia. Até a metade da década, a maior parte do continente europeu terá banido o diesel e a gasolina de seus veículos, adotando como padrão os carros elétricos.
Esse fato naturalmente pressionará a mudança em outras paragens, como no Oriente e mesmo nos Estados Unidos, cujos veículos são viciados em petróleo. Pode até ser que a comercialização não seja proibida como na Europa, mas a tendência será de que a maior parte da produção seja concentrada em veículos movidos a eletricidade, no mais tardar, até o final da década. Ponto, portanto, para a Tesla e para Elon Musk, que estão quase dez anos à frente dos competidores nesse particular.
E daí?
Daí que países que detêm matéria-prima destinada à produção das baterias que alimentam esses veículos podem experimentar um verdadeiro boom de crescimento econômico. Caso, por exemplo, da Bolívia, que possui uma das maiores reservas do mundo de lítio, metal mais utilizado na confecção dessas baterias.
Engana-se, porém, quem acha que o petróleo sairá inteiramente de cena. Na verdade, o ouro negro será finalmente reservado somente a funções mais nobres, como os derivados do setor petroquímico. Mesmo assim, a commodity que foi o principal vetor do século passado, que levou a várias e várias guerras, deve experimentar um declínio contínuo e acentuado, com grandes repercussões geopolíticas (que serão analisadas em outro post).
A financeirização da economia mundial deve continuar o seu rumo inexorável. Se em 2008 havia quem pregasse o “fim do capitalismo” ou algo do gênero, basta ver o que aconteceu com os índices das bolsas norte-americanas desde então. Da mesma forma, e com ainda mais volume, o crash provocado pelo coronavírus deve ser facilmente superado pela injeção maciça de liquidez feita pelos bancos centrais mundo afora. A grande questão é: haverá, enfim, uma resposta inflacionária a toda essa criação de capital? Ainda é terrivelmente cedo para se saber, mas, se tiver que chutar, o mais provável é que sigamos ainda experimentando uma década de preços baixos e inflação idem (o que nada tem a ver com a inflação do Brasil, que fique claro).
A estrela da década que se avizinha, porém, deve ser a inteligência artificial. Computadores quânticos deverão se tornar uma realidade. Não a ponto, claro, de termos um em cada cômodo da casa, como acontece hoje. Mas supercomputadores abandonarão definitivamente o sistema binário para assumir as intrigantes capacidades do mundo submolecular. Se no final do milênio passado estávamos preocupados com o fato de computadores nos baterem no xadrez, a grande dúvida que nos afligirá no final dos anos 20 é se não teremos, enfim, construído seres artificiais que sobrepujarão a raça humana em praticamente todas as áreas do saber.
Esses, portanto, são os principais chutes deste que vos escreve para o que vai ocorrer na economia daqui até o final de 2030, quando esta década se encerrará. Acertará o Blog algum deles? Vai saber.
Espero, apenas, que estejamos todos ainda por aqui para conferir as respostas.