Não foi por falta de aviso.
Em um mundo no qual as disputas políticas quase sempre têm um fundo econômico e em que Donald Trump até virou bestie de Kim Jong-Un, é na velha América Latina cansada de guerra que infelizmente surgem as marolas que movimentam a política internacional. Exatamente como foi previsto aqui, o imbróglio venezuelano continua a ser a grande dor de cabeça do continente, agora com direito a reprise do embate entre russos e americanos sobre o controle geopolítico do mundo.
Antes de mais nada, deve-se esclarecer que o que se tentou na Venezuela ontem – e, com menos força, hoje – é um golpe. Se o que está lá instalado é uma ditadura das mais perversas que se tem notícia, não importa. Toda vez que se colocam tanques e tropas nas ruas para depor um governo constituído – democraticamente ou não – está-se diante de uma quartelada e, por definição, de um golpe.
Não se trata, por óbvio, de defender a ditadura chavista, ora liderada por Nicolás Maduro. Trata-se apenas de respeitar um pouco o tão sofrido vernáculo, lembrando sempre que as transições entre ditaduras e democracias tanto podem ser dar através de golpes (derrubada de Vargas em 1945, por exemplo), como podem ocorrer de forma pacífica (Espanha, em 1976; Chile, em 1988; e a redemocratização em 1985).
Questões vernaculares à parte, o impasse venezuelano continua do mesmo tamanho de antes da insurreição de agora. A cúpula militar continua fechada até a medula com o regime chavista, enquanto a oposição continua como barata-tonta sem conseguir articular uma estratégia que derrube Maduro. Em determinado momento, não se sabia se quem liderava a insurreição era o “autodeclarado” presidente da Venezuela, Juan Guaidó, ou se o recém-liberto líder oposicionista Leopoldo López. Aliás, só mesmo a incapacidade atroz da oposição pode explicar como se pretendia operar uma mudança tão drástica de regime em um 30 de abril, véspera do 1º de maio, grande mote de qualquer ditadura populista de esquerda.
Até onde a vista alcança, não há solução a curto prazo para o drama dos venezuelanos. Como o fracasso do golpe de ontem demonstrou, ainda não há apoio militar suficiente para derrubada do chavismo. Há fissuras, é claro, de que são exemplos a própria insurreição em si como a debandada de figuras-chave da ditadura venezuelana. Mesmo assim, seja por corrupção, seja por ojeriza a intervenções estrangeiras, o alto oficialato continua cerrando fileiras com Maduro. E nada indica que mudarão de opinião tão cedo.
É fato, no entanto, que Maduro é um presidente cada vez mais fraco. Está claro como água de bica que não possui mais qualquer sustentação política e/ou popular para manter-se no cargo. Maduro só não caiu ainda por força das baionetas. Na hora em que elas se convencerem da conveniência da mudança do regime, ou simplesmente da incapacidade do atual mandatário para o cargo, Maduro será arremessado da poltrona com a mesma naturalidade de quem troca de marca de sabonete no supermercado.
Com a economia em frangalhos, uma hiperinflação que deixa no chinelo o nosso surto inflacionário dos anos 80 e um embargo norte-americano ao seu petróleo, é apenas uma questão de tempo até que a situação econômico-social degringole de uma vez. À medida que isso ocorre, corrói-se também de forma progressiva dos pilares que mantêm de pé o regime chavista, levando a uma de duas “soluções”: ou uma guerra civil entre as milícias chavistas e militares revoltosos; ou uma virada de jogo que enfim faça o pêndulo das forças armadas mover-se em direção às lideranças oposicionistas.
Quanto tempo isso pode demorar, é arriscado prever (presumindo que o que se tem por ora já não seja ela mesma uma situação insustentável). Seja lá o que acontecer, espera-se apenas que o pior cenário (guerra civil) não se materialize. Nesse caso, não seriam somente os venezuelanos que sofreriam, mas os seus vizinhos de América Latina.
Inclusive, e em especial, o Brasil…