Carlinhos nunca dera sorte na vida. Não tinha nascido pobre, mas tampouco se poderia dizer que era rico. Não era feio, mas estava longe de ser bonito. Não era exatamente antipático, mas era difícil haver quem simpatizasse com ele. Entre traumas da adolescência e cacetadas do mundo adulto, Carlinhos acabou indo parar na faculdade de Direito.
Como quisesse mudar radicalmente a sua história, Carlinhos resolveu se engajar na vida universitária. Isso não significava propriamente mergulhar nos livros, mas entrar de cabeça no rame-rame das disputas políticas da faculdade. Para quem sempre apanhou da vida, parecia uma boa oportunidade para ganhar projeção e respeito.
Parecia.
Logo na primeira disputa pelo centro acadêmico, Carlinhos descobriu que havia um abismo a separar as eleições dos grêmios estudantis do secundário da pesada batalha pelo polpudo orçamento de uma faculdade privada de renome. Enquanto ao seu lado estavam jovens idealistas, sonhando em mudar o mundo, do outro estava o que há de mais baixo no mundo universitário: os parasitas que vivem do dinheiro desviado dos CAs, enquanto lutam para evitar o próprio jubilamento.
Mas Carlinhos foi à luta. Junto com seus colegas de chapa, o sujeito passava pelas salas, fazia piquete na entrada da universidade e distribuía folhetos nos intervalos de aula. Tudo em nome da renovação nas lideranças estudantis. Do outro lado, a situação revidava com o jogo baixo de sempre: denúncias infundadas, ameaças de “perda de direitos” e até mesmo confrontos físicos com integrantes da chapa de oposição.
Abertas as urnas, verificou-se que o apelo renovatório fora em vão. Contando com a apatia do corpo discente e a fantasmagórica urna dos que já haviam terminado a faculdade – que deve ter rendido uns 300 votos -, a situação ganhou por larga margem a disputa pelo CA.
Mesmo assim, Carlinhos e seus amigos não se deram por vencidos. Dispostos a denunciar a fraude eleitoral, resolveram fazer uma peregrinação por outras faculdades de Direito da cidade. O intuito era chamar a atenção para o problema e – quem sabe? – conseguir que a pressão externa forçasse a direção da sua faculdade a tomar uma atitude contra os eternos diretores acadêmicos.
Logo na primeira faculdade, Carlinhos entrou com os companheiros de chapa e foi passar o seu recado. Primeiro a falar, Carlinhos apresentou o problema, enquanto fazia um breve resumo dos fatos. Findo o intróito, passou a palavra a uma amiga sua, de voz mansa e suave, responsável por tocar nos pontos mais sensíveis do imbróglio.
“Olha, gente, é muito sério o que aconteceu. Nós precisamos da ajuda de vocês para tentar mudar esse quadro. Só com a pressão de outras faculdades nós vamos conseguir fazer com que a direção da nossa saia da inércia e tome alguma atitude contra este povo que se eternizou no CA. Uma gente que manda lá há mais de 10 anos, que já deveria estar jubilada, mas que recorre à Justiça para se manter no curso e continuar vivendo do dinheiro que nós pagamos a eles. E isso é tão grave que eles recorrem até a agressões físicas para se manter no poder”.
Quando chegou a parte da agressão física, Carlinhos não se conteve. Muito embora sua parte no discurso já tivesse terminado, ele surgiu de trás da menina que falava como um raio para alertar a todos:
“Inclusive teve um colega nosso de chapa que foi violentado!”
Ao ouvir isso, a turma que ouvia o discurso fez silêncio por dois segundos. Depois, explodiu em gargalhadas.
E Carlinhos aprendeu que, mesmo defendendo boas causas, sempre convém respeitar a precisão da linguagem.