Quarenta dias longe do Blog não poderiam passar em branco. Cobrando a fatura da ausência, o primeiro item da pauta represada não poderia ser outro senão a delação da Odebrecht. Cumprindo as expectativas, a divulgação dos vídeos dos 77 executivos da maior empreiteira do país, expondo com detalhes a verdade nua e crua da grande corrupção nacional, fez jus ao epíteto que lhe deram nos bastidores: a “delação do fim do mundo”. Depois disso, a principal e talvez única pergunta que todo mundo anda se fazendo é a seguinte: “E agora?”
Agora é que são elas.
Do ponto de vista do governo Temer, pouca coisa muda. A popularidade do substituto constitucional de Dilma Rousseff, que nunca foi nenhuma Brastemp, escorregou um pouco mais em direção a um dígito. Todos os ministros que já se sabiam implicados na delação confirmaram sua presença na nada honrosa lista das delações, acompanhados por alguns que não imaginavam semelhante honraria.
Como Temer não tinha outra saída a não ser manter a base congressual com a qual promete reformar à turma do dinheiro grosso, manteve-se o script imaginado por todo mundo: ninguém é demitido, ninguém sai por vontade própria e todos tocam a vida confiando na lentidão dos processos em tramitação nos tribunais superiores. A estratégia, por óbvio, é esperar a folhinha do calendário rodar o suficiente para deixar 2018 tão próximo que todo mundo venha a se perguntar se vale a pena lutar para tirar Temer da presidência, ou se é melhor transformá-lo numa espécie de presidente decorativo até as próximas eleições gerais. Entre a queda antecipada e a “sarneyzação” do governo, há uma infinidade de possibilidades.
Pra começo de conversa, ninguém sabe até que ponto as ruas – por ora quietas – manterão o ronco silencioso diante de um cenário econômico que teima em não melhorar. O nível de desemprego atinge níveis assombrosos e, ainda que a economia melhore, demorará meses até que desse respiro derive aumento nas contratações.
Em segundo lugar, ninguém sabe até que ponto a ampla base que defenestrou Dilma Rousseff da presidência manterá a coesão que sustenta Michel Temer em seu lugar. Se por um lado a marcha do tempo em direção a 2018 ajuda a diminuir o ímpeto pela derrubada do governo, por outro joga contra a única bandeira que o governo exibe para justificar a paciência da população até o ano que vem: as reformas constitucionais. Afinal, quanto mais próximas as eleições, menor a disposição dos congressistas de praticar maldades contra o povo para o qual pedirão votos. Como se costuma dizer em Brasília, a político pode-se pedir tudo, menos que cometa suicídio.
Para além disso, a delação da Odebrecht não encerra a operação Lava-Jato. Pelo contrário. Agora é que a coisa pode piorar de vez. Muitas das análises otimistas pregavam que, com a divulgação dos vídeos dos executivos da empreiteira, seria possível avaliar o tamanho do estrago e, sabendo das armas da PGR, armar uma estratégia defensiva. O problema é que, tal qual ocorreu inúmeras outras vezes nessa operação, à delação da Odebrecht devem se seguir muitas outras, com destaque para a da sua co-irmã OAS e do ex-todo-poderoso Antonio Palocci. É inútil, pois, pensar que a munição da Força-Tarefa se esgota com o que foi divulgado há alguns dias.
Tudo isso somado, a população, já cansada de tanta luta, ganhou mais um motivo para xingar Brasília. No meio de um cenário político, econômico e social tão desolador, é deprimente tomar conhecimento dos pormenores das pequenas e grandes corrupções nacionais. Com razão, as mães dos envolvidos no escândalo sofrem as piores agruras na boca do povo.
Mas falta nesse enredo todo uma personagem: o eleitor. O brasileiro pode xingar à vontade quem passa óleo de peroba na cara para dar entrevista às câmeras e dizer que nada sabia do dinheiro que circulava por suas contas. O problema, contudo, é que a matéria-prima sobre a qual recaem os xingamentos é 100% composta de gente que foi eleita com o voto popular. O povo adora reclamar dos políticos como se eles tivessem vindo de Marte, mas ninguém está ali por obra e graça do Espírito Santo (ou do Tinhoso, como queiram). Se ali estão, é porque foram eleitos, em grande parte com os votos dos mesmos que agora os xingam.
A arte de reclamar e xingar os políticos não se perde com o tempo e acaba por se renovar de quatro em quatro anos. Mesmo assim, em algum momento o eleitor vai ter que cair na real e entender que somente quando aprender a votar o Brasil poderá pensar numa seção política que não se torne sublegenda das páginas policiais.
O brasileiro pode até querer olhar para o espelho e enxergar nele uma vítima. Mas, se olhar com atenção, verá nele apenas o reflexo de um culpado.