A história é conhecida.
Filho de uma família intelectualmente nobre, o sujeito nunca fizera nada digno de registro na vida. Escondera-se à sombra do pai, um escritor famoso, prêmio Pulitzer e tudo mais. De repente, surge uma oportunidade: o cidadão se inscreve programa de perguntas e respostas na TV, do tipo Show do Milhão, para ver como se sai.
Na semana anterior ao programa, o sujeito é convidado pelos produtores para uma entrevista. Lero vai, lero vem, os caras enxergam nele o protótipo feito da “Grande Esperança Branca” para a América. O sujeito que cresceu numa família de intelectuais, berço de ouro, vazando conhecimento pelos ouvidos e erudição pelos poros. Nada mal para quem quer um garoto propaganda destinado a vender produtos que prometem aumentar o QI dos consumidores. Súbito, vem a proposta:
“Por que não lhe fazemos perguntas das quais você já saiba a resposta?”
Na lata, o sujeito rejeita a oferta. Mas, colocado diante das câmeras e de uma pergunta cuja resposta ele já conhecia, hesita por dois segundos e embarca na fraude.
Daí pra frente, o sujeito volta semana após semana, ganhando cada vez mais dinheiro, levando a audiência do programa a picos jamais vistos na televisão americana. Entretanto, a canoa do programa de erudição fake começa a fazer água por todos os lados. Participantes de programas anteriores começam a denunciar a farsa, o que desperta a atenção de uma comissão do Congresso norte-americano. O cerco se fecha cada vez mais, e o sujeito – já coroado como “Príncipe da Educação” – sente a corda sendo amarrada ao seu pescoço.
Para fugir da pressão, o sujeito sai da cidade e busca refúgio na casa do pai. Invade a cada na madrugada, rouba da geladeira um pedaço de bolo de chocolate e uma botelha de leite e senta-se a comer na mesa da sala. De repente, seu pai acorda e resolve lhe fazer companhia. Afinal, não é todo dia que seu filho agora famoso aparece sem aviso na casa dos pais.
Durante a conversa, o filho relata a pressão que está sentido, mas sem especificar o que é. Seu pai tenta em vão consolá-lo, contando causos de sua vida. Em determinado momento, o filho pára e olha fundo nos olhos do pai. O desejo de confissão chega às bordas dos olhos, mas não desce dali para a boca; fica perdido no meio de um comentário fugaz sobre um assunto que não tinha nada a ver com a questão. Numa tentativa de mudar o rumo da prosa, e, com isso, desviar a curiosidade do pai, o filho relata a sensação de felicidade que aquela cena lhe trazia:
“Chegar da escola, pegar um pedaço de bolo de chocolate e uma garrafa de leite… Só a simplicidade disso… Eu não consigo imaginar nada que possa me fazer tão feliz novamente”.
O pai olha para o filho com um olhar condescendente, sorri e devolve:
“Não até você ter um filho”.
Ps.: Abaixo, essa história na cena original, com dois mestres da interpretação, Ralph Fiennes e Paul Scofield, no filme Quiz Show.