Cinquenta anos depois, o Planalto voltou a ser habitado por um inquilino chegado às mesóclises.
Torce-se, apenas, para que Michel Temer não tenha o mesmo destino de Jânio Quadros.
Afinal, ninguém merece…
Mesóclises? Evitá-las-ei, ou Os problemas da colocação pronominal
Publicado originalmente em 6.3.13
Faz tempo que a seção preferida da Icsa não dá as caras por aqui. Por isso, e também para manter o sentido de utilidade pública deste espaço, voltemos à nossa velha e boa língua portuguesa.
O tema de hoje diz respeito a uma das coisas mais simples e mais mal explicadas da língua de Camões: a mesóclise.
Não só ela, mas a colocação pronominal em seu conjunto é um dos fantasmas que mais atormenta as pessoas. Aos jovens, na época de provas e no vestibular. Aos adultos, na hora de escrever textos formais. No entanto, se as pessoas sabem mais ou menos bem quando usar a próclise – quando o pronome pessoal oblíquo átono vem no começo – e a ênclise – quando ele vem no final -, ninguém consegue entender direito quando se deve usar a mesóclise.
O primeiro passo para entender a mesóclise é óbvio, e o próprio nome indica. Haverá mesóclise sempre que o pronome pessoal oblíquo átono vier intercalado entre o verbo e a sua terminação verbal. Um exemplo clássico: dize-me com quem andas (ênclise) e dir-te-ei quem és (mesóclise).
O segundo passo é procurar entender quando se usa a mesóclise. Para isso, você haverá de se lembrar que a regra é a ênclise, isto é, o pronome colocado depois do verbo. Ex: Assim que Fulana chegar, diga-lhe para me ligar. A próclise, ou seja, a colocação do pronome antes do verbo depende de partículas atrativas, como as palavras de sentido negativo. Ex: Não se faz uma coisa dessas. Ou ainda: Jamais me diga para fazer o que não quero.
Pois bem. Sendo a ênclise a regra, quando é que se deve utilizar a mesóclise?
Basicamente, utiliza-se a mesóclise em todos os casos de ênclise, mas nos quais os verbos estejam conjugados ou no futuro do presente, ou no futuro do pretérito. Ex: A música? Cantá-la-ei quando estiver ébrio. Ou então: O trabalho? Fá-lo-ei amanhã.
Mas é justamente aí que a porca entorta o rabo para a maioria das pessoas. Todo mundo fica meio encucado quando chega a hora de formar a conjugação colocando o pronome oblíquo átono entre o verbo e a terminação verbal. Para desespero geral, grande parte dos professores de português não ensina uma regra simples, que ajuda horrores na hora de formar corretamente a mesóclise.
Tudo passa pela noção de que o futuro do presente e o futuro do pretérito tem como primos distantes os tempos compostos. Há muito tempo, a linguagem corrente diria que “Eu hei de fazer alguma coisa”, e não que “Eu farei alguma coisa”. Formava-se o verbo no futuro a partir da variação do verbo auxiliar haver. Ex: Ela há de ser uma grande pessoa. Ou ainda: Nós haveremos de ser campeões. Com o tempo, claro, os tempos do modo indicativo acabaram por se impor na linguagem corrente, de maneira que as pessoas passaram a falar “Ela será uma grande pessoa” ou “Nós seremos campeões”.
Pois bem. Sabendo isso, para formar corretamente uma mesóclise, basta entender que o antigo verbo auxiliar haver dos tempos compostos é jogado para o final do verbo. Melhor explicando: forma-se uma ênclise com o verbo e o pronome oblíquo e depois se colocar o verbo auxiliar haver conjugado, mas sem o “h”.
Explicando assim pode parecer difícil, mas um exemplo mostrará como a coisa fica fácil. Vejamos o primeiro caso citado, o do “dir-te-ei”.
Antigamente, numa conversa corrente, o sujeito diria: “Hei de dizer-te”. Para formar a mesóclise, basta pegar o “hei” e lançar para depois do “dizer-te”, retirando-se o “h”. Assim, tem-se o “dir-te-ei”.
Outro exemplo: “Comer pouco angustiar-te-á”. Lembrando a antiga forma de conjugação, teríamos: “Comer pouco há de angustiar-te”. Joga-se o “há” sem o “h” para depois de “angustiar-te” e ter-se-á (que beleza!) “angustiar-te-á”.
A mesma regra e dica se aplicam aos verbos conjugados no futuro do pretérito. Só que, nesse caso, pega-se apenas a terminação verbal do auxiliar. Exemplo: “Haveriam de me procurar se estivesse perdido”. Retira-se o “haver” e se joga o “iam” para depois de “procurar-me” e se terá “Procurar-me-iam se estivesse perdido”.
Pronto. Viram como não é tão difícil?
Espero que vos tenha ajudado a superar esse pequeno trauma do ensino secundário.