2014 mal acabou e, ao contrário dos outros anos, ninguém está ansioso pelo ano que vem. Na verdade, para a maioria da população, 2015 é apenas um estorvo, um contratempo que separa a Copa do Mundo do próximo grande evento que o Brasil vai receber: os Jogos Olímpicos de 2016.
Três anos antes da Copa do Mundo, este que vos escreve assinou um post no qual defendia a hipótese de o Brasil abdicar de receber o evento da Fifa e despachá-lo para o México, tal qual ocorrera com a Colômbia em 1985. Infelizmente, isso não aconteceu, e a Copa acabou por se realizar em solo tupiniquim.
Por que a proposta?
A essa altura do campeonato, pouca gente se recorda das promessas feitas antes do evento: novos estádios, novos aeroportos, uma nova estrutura de mobilidade urbana em cada cidade, hospitais tinindo de novos e, claro, transporte público bom e barato para levar os torcedores aos estádios. De tudo o que foi prometido, apenas os estádios – como previsto aqui – ficaram prontos. Todo o resto ficou para as calendas.
Veja-se, por exemplo, o caso de Fortaleza. Prometera-se antes da Copa: reforma do Aeroporto Pinto Martins, um VLT, transformação da Via Expressa numa via realmente expressa, construção e reforma de vias para BRS em três avenidas (Alberto Craveiro, Dedé Brasil e Paulino Rocha), um novo terminal de passageiros no Porto do Mucuripe e a inauguração do metrô da cidade, com duas novas estações, depois de 15 anos de construção.
Quando confrontados com o atraso no cronograma, o discurso padrão dos gestores públicos era: “Não se preocupem. Tudo ficará pronto a tempo do evento”. O Ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, chegou mesmo a sugerir a conveniência dos atrasos, pois “em todo o casamento a noiva chega depois da hora”. É, mas a Igreja já está lá pronta, replicariam os internautas, em um dos melhores episódios de piada pronta daquela época.
À medida que o calendário caminhava e as obras permaneciam paradas, o discurso foi se ajustando. Depois de garantir o sucesso da Copa, os responsáveis pelo evento diziam que “toda a infraestrutura necessária ficaria pronta a tempo”. Ou seja: nem tudo que fora prometido seria entregue. Uma parte, por “desnecessária”, ficaria pelo caminho.
Finalmente, quando ficou evidente que não haveria tempo para terminar coisa alguma, começou-se a propalar a parolagem do “legado da Copa”. “As obras não são para a Copa, mas para a cidade”, diziam os demagogos mais descarados. Faltou explicar, contudo, o que levou gestores de todo o país a assinarem a tal da “Matriz de Responsabilidade”, na qual as obras prometidas eram consideradas “fundamentais” para o sucesso do evento. De duas, uma: ou eram fundamentais, e todo mundo foi incompetente por não as concluir a tempo; ou eram dispensáveis, e todo mundo mentiu ao assinar a Matriz de Responsabilidade.
No oba-oba do evento, com vários jogos emocionantes e uma qualidade que não se assiste no futebol brasileiro pelo menos desde o meio da década de 90, pouca gente deu bola pra isso. Afinal, com todas as medidas tomadas, o pior foi evitado.
Ocorre que a não ocorrência do fracasso não transforma a organização da Copa em um sucesso. Pelo contrário. Todo o planejamento realizado para o evento quando ele foi vendido ao distinto público foi sumariamente ignorado. Às pressas, montou-se um gigantesco plano de contingência, no qual puxadinhos em aeroportos e feriados em dias de jogos deram o tom de um país que se preparou de véspera para receber um dos maiores eventos esportivos do planeta. Se não fossem adotadas essas medidas emergenciais, o mais provável seria que o caos anunciado pela frase “Imagina na Copa” desse as caras em toda a sua constrangedora exuberância.
Nessas circunstâncias, comemorar o “sucesso” da Copa equivale à torcida comemorar quando o time grande consegue escapar do rebaixamento. Deixar de cair pra Segundona é apenas obrigação, uma maneira de evitar a consumação do desastre. Mas evitar o desastre não transforma o sucesso em fracasso, nem deveria fazer esquecer a vergonha que foi a campanha do time durante o campeonato. Trata-se de uma modalidade de autoengano infelizmente muito recorrente no Brasil.
Se isso fosse pouco, o tal do “legado” ficou no esquecimento. Em Fortaleza, salvo o estádio, nenhuma obra prevista ficou pronta. Entregou-se parte da avenida Alberto Craveiro e o túnel da avenida Paulino Rocha às vésperas do primeiro jogo, enquanto na Via Expressa apenas um dos quatro túneis projetados foi finalizado. Das demais obras de mobilidade, ninguém na Prefeitura sabe, ninguém na Prefeitura viu.
Pior que isso, somente o aeroporto Pinto Martins, o VLT e o terminal de passageiros do Mucuripe. Nos dois casos, como as obras caminhassem a passo de tartaruga manca, a Infraero, no primeiro caso, e o Governo do Estado, no segundo, rescindiram os contratos com as construtoras. Hoje, ambas encontram-se totalmente paradas, sem qualquer perspectiva de retomada. Quando ao terminal do Mucuripe, foi entregue dois meses depois do evento, mas não pode receber passageiros. Faltou fazer a dragagem do Porto.
A grande verdade é que, por trás do carnaval montado quando o país é escolhido para receber um grande evento, sempre tem um ixperto esfregando as mãos para capitalizar politicamente o fato. Quando o anúncio é feito, mundos e fundos são prometidos. Quando chega a hora de a onça beber água, todo mundo confia na pouca memória do brasileiro para cobrar promessa de político.
“México, Distrito Federal, 2016”. Eis a nova campanha patriótica que se lança na rua.