A independência da Escócia

Até parece que voltamos ao século XIII ou que os cinemas resolveram reprisar Coração Valente, do Mel Gibson. Depois de passar 700 sendo lembrada apenas pela qualidade de seus uísques e por ser a terra natal de Sean Connery, a Escócia voltou ao centro das atenções. Tudo porque, no próximo dia 18 de setembro, os escoceses decidirão se continuarão fazendo parte do Reino Unido ou se formarão uma nação independente.

Não que se trate de um tema novo. A Escócia foi independente desde sua unificação, em 843, até 1707, quando celebrou o tratado da união, formando o Reino Unido da Inglaterra, Escócia e País de Gales. À época, parecia uma boa. Afinal, a Inglaterra era senhora dos mares, potência hegemônica do globo e suas possessões formavam um império onde o sol não se punha. Hoje, no entanto, os escoceses pensam duas vezes se fizeram um bom negócio ao se unirem à casa de Windsor.

Durante os anos 70, por exemplo, muito se discutiu acerca do dinheiro arrecadado com a exploração de petróleo no Mar do Norte. Como as áreas exploradas pertenciam ao Reino Unido somente pela posição geográfica da Escócia, os nacionalistas lançaram a campanha “O Petróleo é da Escócia”. Reivindicava-se, naquela altura, 300 bilhões de libras esterlinas resultantes da atividade petrolífera, dinheiro o qual, segundo os defensores da independência, deveria beneficiar somente a Escócia.

Questões econômicas à parte, o grande móvel da independência da Escócia é o sentimento do seu povo, não o quanto o país ganharia numa possível separação do Reino Unido. A verdade é que os escoceses nunca se sentiram parte do Reino Unido. A ojeriza à unificação é tamanha que, de acordo com a lenda, ao desembarcar em Glasgow, capital da Escócia, o turista era recebido com uma faixa: “Glasgow: latitude de Smolensk, atitude de Barcelona”.

Em que pese a comparação com os catalães, os separatistas escoceses nunca pretenderam uma separação traumática e unilateral da Inglaterra. Como água mole em pedra dura, foram martelando aos poucos, com um passo de cada vez, o caminho que os levou até o referendo do próximo dia 18.

Primeiro, arrancaram do primeiro-ministro Tony Blair um projeto de descentralização do Reino Unido em 1997. Tal processo resultou na criação do parlamento em Edimburgo, dois anos depois, seguido da criação de um governo escocês. Estabeleceu-se, então, a realização de um referendo sobre a independência do país, coisa que pouca gente deu importância à época.

Nesse contexto, como político é político em todo lugar, todos os primeiros-ministros desde então se comprometeram a respeitar a realização do referendo e não moveram uma palha contra a independência da Escócia. A verdade é que ninguém acreditava numa vitória do movimento independentista. Enquanto o separatismo escocês limitava-se a Sean Connery desfilando com seu kilt, ninguém deu bola para o assunto. Agora, com todas as pesquisas indicando a vitória do “sim”, todo mundo entrou em pânico.

David Cameron, por exemplo, implorou hoje aos escoceses que não “quebrassem a nossa família de nações”. “Horrorizada”, a Rainha da Inglaterra disse que nada mais importa na política britânica senão “salvar a união”. Mesmo políticos do Partido Trabalhista, de oposição a Cameron, suam frio quando pensam que os escoceses sempre votaram em peso nos labours, entregando-lhe 40 das 41 vagas que a Escócia detém no Parlamento Britânico.

O verdadeiro problema por trás da independência da Escócia reside menos no seu efeito imediato – a separação da Inglaterra – do que no seu efeito mediato. Como observou Luiz Felipe de Alencastro, o país representa somente 9% do PIB do Reino Unido e menos de 10% da população. No fundo, o país terá muito mais problemas em se estruturar como nação após a independência – criar instituições políticas, governo autônomo, políticas fiscais, moeda, etc. – do que a Inglaterra com a sua perda.

A grande questão, no final das contas, é o risco de que a independência da Escócia reacenda a onda separatista na Europa. A Espanha, com bascos, catalães e galegos, é a primeira da fila. Não custa lembrar que em novembro está marcado também um referendo sobre a independência da Catalunha. Sem querer, os escoceses podem detonar o maior redesenho do mapa europeu desde o fim da II Guerra Mundial.

 A conferir as cenas dos próximos capítulos.

Esse post foi publicado em Política internacional e marcado , , , . Guardar link permanente.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.