Pouca gente acompanha rádio hoje em dia. Se a concorrência com a TV tinha conseguido baquear, mas não derrubar, aquela que foi a grande mídia da primeira metade do século XX, a Internet parece ter colocado um ponto definitivo nas ondas que trafegam invisíveis pelos nossos ares. Mesmo o velho hábito de sintonizar a estação favorita enquanto você dirige está sendo abandonado, pelo menos desde que surgiram os CDs de MP3 e, mais recentemente, os sons automotivos que aceitam dispositivos eletrônicos (pen drives, Ipods, etc.).
Esse raciocínio, no entanto, somente se aplica à população urbana do país. Na zona rural, onde o sinal de TV é mais difícil de encontrar do que o sinal de telefone celular, o rádio continua vivo. Mesmo nas cidades, a preferência pela TV e pela Internet só se manifesta nos bairros de classe média e alta. Nos bairros mais afastados, o rádio segue ostentando o primeiríssimo lugar na preferência da audiência.
Toda vez que se fala no rádio, vem à memória um dos programas mais controversos e mal compreendidos da nossa história radiofônica: a Voz do Brasil.
Criada na Era Vargas, a Voz do Brasil foi, por muito tempo, o mais importante noticiário do país. Com grades separadas de acordo com os poderes da República, a Voz do Brasil retransmite uma síntese das principais notícias do Brasil na seara política, permitindo ao povo isolado nos grotões saber o que se passa no restante do território nacional.
Com o tempo, no entanto, parte da população passou a desenvolver certa ojeriza pelo programa. A transmissão de notícias oficiais deu-lhe a incontornável fama de “chapa-branca” e o engessamento do formato tornava um tanto enfadonha a programação, marcada pela abertura com O Guarani, de Carlos Gomes. Mas, dentre todos os defeitos da Voz do Brasil, nenhum é mais problemático do que a obrigatoriedade da retransmissão.
Faz tempo que as rádios “comuns” aproveitaram a onda e começaram uma campanha contra a Voz do Brasil. Eu mesmo, quando adolescente, embarquei nessa, pois achava um porre ter minha música favorita interrompida pelo fatídico aviso de que, “em Brasília, 19 h”.
Tudo mudou, no entanto, quando ouvi uma entrevista com um sujeito responsável pela edição do programa. O argumento que ele apresentou em defesa da Voz do Brasil era irretorquível. As rádios são uma concessão pública. É dizer: o Governo dá de graça aos particulares o direito de explorar uma atividade extremamente cobiçada e rendosa. E a única coisa que ele pede em troca é uma hora diária, seis dias na semana. Será pedir muito? Claro que não.
Fora isso, nos rincões mais inacessíveis do Brasil, o programa continua tendo importância fundamental. Sem acesso à televisão, muito menos à Internet, a Voz do Brasil, com todos os seus defeitos, é o único meio disponível para ter acesso às notícias. Se ela for removida, boa parte da população ficará à margem do noticiário.
Como a campanha para a extinção da Voz do Brasil não vingou, seus promotores agora reclicaram-na em uma campanha de “flexibilização do horário”. Para isso, querem autorização para retransmitir o programa em horário flexível, entre as 19h e as 22h.
Ocorre que tal “flexibilização” prejudica justamente a população que mais precisa da Voz do Brasil. No interior bruto, onde o sujeito trabalha das 5h da manhã às 6h da tarde para tirar o prato de comida da terra, o horário das 19h é o único que lhe permite ouvir o programa a tempo de tomar banho antes de dormir. Colocar a Voz do Brasil para ser retransmitida às 22h significa encerrá-lo às 23h, quando o sujeito que tem de acordar às 4h30m da manhã para preparar a terra já está no 15º sono.
Por isso mesmo, a Voz do Brasil tem que ficar exatamente onde está: obrigatória e às 19h. Pode ser ruim para você, mas, para um monte de gente do qual você nem ousa lembrar, ela continua sendo a única alternativa viável de acesso à informação.