O cenário político nacional foi sacudido neste final de semana pela união entre Marina Silva e Eduardo Campos. No cenário então tido como mais provável para o ano que vem, Marina disputaria com Aécio Neves e Eduardo Campos a parcela do eleitorado que rejeita o governo do PT e quer ver mudanças. Tida como carta fora do baralho na última quinta-feira, quando o Tribunal Superior Eleitoral negou-lhe a criação da “Rede”, Marina Silva voltou à mesa com ares de coringa capaz de desequilibrar o pôquer das eleições de 2014.
Tratava-se de uma jogada improvável por três motivos. Era improvável, em primeiro lugar, porque ninguém poderia imaginar Marina disputando eleição presidencial sem que fosse pelo seu próprio partido. Era improvável, em segundo lugar, porque ninguém poderia imaginar Marina se aliando a um de seus possíveis concorrentes na raia oposicionista. Era improvável, em terceiro lugar, porque ninguém poderia imaginar que, aliando-se a um de seus rivais, Marina – com 26% nas pesquisas – abrisse mão da cabeça da chapa.
Como acontece toda vez que o noticiário político é remexido por algo dessa magnitude, logo apareceram analistas de todos os matizes vaticinando, de um lado, a “genialidade” da jogada e, do outro, a “estupidez” do movimento. Os partidários da primeira tese defendem que Eduardo Campos conseguirá projetar-se nacionalmente e herdar boa parte dos votos de Marina Silva. Já os partidários da tese contrária advogam a tese segundo a qual o voto de Marina – ideológico, programático e, por isso mesmo, volúvel – jamais despencará por gravidade no cesto de um político “tradicional” como Campos.
Na verdade, não houve nem uma coisa nem outra. Por uma simples razão: o jogo de 2014 ainda não foi jogado.
Toda vez que um analista resolve fazer prognósticos eleitorais, normalmente tira como base o ocorrido em eleições passadas. E é com base nesses fatos passados que ele projeta a evolução do cenário. As projeções são realizadas, pois, mantidas as condições normais de temperatura e pressão. Ninguém trabalha na prospecção de cenários eleitorais com o imponderável.
Quem imaginaria, por exemplo, um governador de um estado pobre, miserável e irrelevante no panorama nacional como Alagoas ganhar uma eleição presidencial? Pois Fernando Collor ganhou em 1989. Por quê? Entre outras coisas, porque contou com o apoio maciço da Globo durante a campanha. Esse fator desequilibrou a disputa a seu favor, especialmente quando houve a fatídica edição do Jornal Nacional sobre o último debate do segundo turno com Lula.
Quem imaginaria, por exemplo, um senador em fim de carreira, pertencente a um partido à época com baixa projeção política (PSDB), ocupante de um cargo então tido como irrelevante – o Ministério das Relações Exteriores – pudesse eleger-se presidente da República? Pois Fernando Henrique ganhou em 1994. Por quê? Principalmente porque em março daquele ano foi lançada a URV e, em julho, passou a circular no país uma nova moeda: o Real. Sem a nova moeda a carregar-lhe nos ombros, Fernando Henrique jamais chegaria ao Planalto, muito menos conseguiria aprovar a emenda da reeleição e depois se reeleger.
O que esse dois exemplos ensinam? Ensinam que é inútil fazer projeções para as eleições do ano seguinte com base no cenário do ano anterior ao pleito. Deixando-se de lado até mesmo a finitude da existência – quem garante que (bate na madeira) algum dos candidatos não morra daqui pra lá? -, o fato é que uma eleição presidencial depende de muitos outros fatores que nem os candidatos nem muito menos os analistas dominam.
Ninguém aparentemente está a considerar, por exemplo, a ocorrência de algo semelhante às manifestações de junho último. Às vésperas da Copa de 2014, é bem possível que tenhamos movimentos iguais ou maiores do que aqueles que tumultuaram a Copa das Confederações. Se a convulsão social daquele mês resultou em variações dramáticas nas pesquisas, pode-se imaginar o tamanho do estrago se ela voltar a ocorrer a três meses da eleição.
Com semelhante caldeirão, não se descarte sequer a trajetória da seleção brasileira na Copa do Mundo como fator adicional à fervura. Se a seleção for bem, é possível que as manifestações se recolham. Se ela for mal, será como jogar gasolina na fogueira.
Sob esse ponto de vista, a cartada de Marina Silva e Eduardo Campos deve ser vista exatamente como é: uma aposta arriscada. De certa maneira, pode-se dizer que ambos jogaram suas pretensões políticas numa só mão de cartas. Se der certo, Eduardo Campos conseguirá herdar boa parte dos votos de Marina, subirá nas pesquisas e, por conseguinte, atrairá mais partidos (tempo de TV) e apoios (dinheiro) para sua campanha. Se der errado, os votos de Marina Silva se diluirão entre as candidaturas oposicionista e a própria Dilma Roussef, os políticos acorrerão àqueles com maior expectativa de poder e os apoios minguarão na exata medida da queda nas pesquisas.
Trocando em miúdos, o jogo de 2014 continua em aberto.
Como, aliás, sempre esteve…
“O voto de Marina – ideológico, programático e, por isso mesmo, volúvel”. Não compreendi. No meu entender o voto efetivamente ideológico, se não se pode dizer plenamente definido, é bem menos volúvel do que o voto desengajado, que muda ao sabor das conveniências do momento
Tem toda razão, Comandante. Fui eu quem não soube se expressar direito. Na verdade, quando falei do voto “volúvel” da Marina, estava me referindo ao eleitor que, de tão ideologizado, é menos propenso a aceitar erros de seu candidato. No caso da Marina Silva, muita gente votará nela por uma tendência “apolítica”, isto é, de rejeição à forma tradicional de fazer política. Quando ela se junta ao Eduardo Campos, parte desse eleitorado pode se esvair caso identifique na aliança algum tipo de “venda” de seu conteúdo programático. Além disso, outra parte relevante pode deixar de votar na chapa Eduardo-Marina no caso de algum desvio ético, simplesmente porque não aceita de forma alguma esse tipo de desvio. Por isso é que o eleitor da Marina, embora “ideológico” e “programático”, pode rapidamente migrar para outro candidato ou anular seu voto, caso alguma dessas coisas aconteça. Daí a “volubilidade” a que me referi. Um abraço.
É verdade e o imponderável futebol cube ainda é fator relevante para 2014. Eu acho que após a Copa, e não pelos resultados futebolísticos, haverá bem maior clareza da tendência do eleitorado , particularmente da classe média, engajada ou não, sob a forte influência do desempenho do governo na área de segurança pública,, em decorrência das previsíveis manifestações violentas dos bandos que hoje desafiam arrogantemente a autoridade dos governos, em todos os seus níveis, para não dizer do próprio Estado.