Há mais ou menos um mês, a crise síria virou manchete do noticiário internacional. Em guerra civil há mais de dois anos, ninguém dava mais a menor bola para a matança desenfreada naquele pedacinho do Oriente Médio. Até que Assad resolveu testar seu arsenal químico.
Imediatamente, à ação do governo sírio sucedeu-se o repúdio ao uso de armas químicas. Assad, claro, nega, mas até agora ninguém apresentou uma versão plausível a justificar como rebeldes armados com nada além de AKs-47 conseguiram produzir, manipular e depois usar um arsenal com semelhante grau de sofisticação. Sem querer, o ditador sírio dera a senha para uma incursão americana naquelas bandas.
Confirmando seu talento para a dissimulação, Obama queria atacar a Síria, mas não se dispunha a arcar com o custo político da empreitada. Em outras palavras, queria o ataque, mas não se dispunha a dobrar os sinos da guerra. Se houvesse bombardeiro à Síria, era necessário de que o fizesse em nome dos “interesses americanos”, em “resposta ao clamor internacional” ou seja lá o que for, desde que não parecesse que os americanos, uma vez mais, tinham bombardeado unilateralmente um país inimigo.
Escaldados por duas guerras – Afeganistão e Iraque – das quais seu país saiu muito menor do que entrou, o povo americano não estava disposto a enfrentar mais uma, com resultados incertos.
Do outro lado do Atlântico, o apoio internacional começou a ruir. Primeiro, com o Parlamento britânico negando a autorização do ataque a David Cameron. Depois, a União Européia – ainda com água pelo nariz por conta da crise do Euro – não queria ver mais uma guerra a pressionar o preço do petróleo e minar a tímida recuperação econômica deste ano.
De mãos atadas, restou a Obama negociar. Engana-se quem pensa que só a resistência russa e chinesa ao ataque, sozinha, fez o Império mudar de idéia. China e Rússia se opuseram às ações unilaterais americanas antes, mas isso não impediu que os americanos invadissem o Afeganistão e tomassem o Iraque. Foi por estar só que Obama recuou do bombardeio à Síria.
Como desgraça pouca pra Império é bobagem, Ahmadinejad deixou de ser presidente, e o Irã governado por Hassan Rohani dá mostras de querer distensionar as relações com o Ocidente. Em pouco mais de um mês, Rohani renegou a política de Ahmadinejad, classificou o holocausto como “crime repreensível” e – suprema ousadia – disse que armas nucleares “não tem lugar” no Irã. Quem dissesse que tais declarações seriam possíveis há dois meses passaria recibo de maluco.
Sem respaldo interno e com inimigos externos com cada vez menos cara de bicho-papão, o Império norte-americano, sempre pautado pela ameaça militar como estratégia de promoção de sua política internacional, parece estar nas cordas. A outrora ostentada e propalada condição de interventor universal perde legitimidade na exata medida em que desaparecem os pretextos de “ameaça à paz mundial”. Se quiserem continuar com sua política de invasões estrangeiras, os americanos terão de se despir de sua aura moral de “polícia do mundo” e se assumir como Império que são. Governados por um presidente fraco como Barack Obama, é difícil acreditar que os americanos entrarão nessa roubada.
Sem querer, a dubiedade e a tibieza de Obama colocaram os Estados Unidos numa posição na qual qualquer alternativa militar, seja onde for, resultará em desgaste político e eleitoral para seu presidente. Se por um lado Obama perde, por outro a paz mundial ganha.
Já não era sem tempo.