De volta ao batente, hora de tratar de alguns assuntos que ficaram pendentes durante a minha ausência. E, como vocês devem ter adivinhado, o primeiro lugar da lista vai para a farsa em curso na Venezuela.
Como todo mundo sabe, Hugo Chávez foi reeleito no ano passado para mais um mandato. Não me perguntem qual, porque eu já nem lembro mais para quantos ele foi reeleito desde que assumiu o poder na Venezuela, ainda no milênio passado. Segundo a constituição “bolivariana”, Chávez deveria ter prestado juramento na última quinta-feira, dia 10. Sem condições mínimas de comparecer à cerimônia – se é que vivo está – seus correligionários fizeram um arranjo mal explicado para tentar justificar a permanência do grupo chavista no poder sem ter de convocar imediatamente novas eleições.
Não quero entrar aqui em discussões acadêmicas sobre a interpretação da constituição venezuelana, até porque não a conheço. Mesmo que a conhecesse, só um sujeito muito tolo para achar que em um país onde o sujeito pode nomear e demitir livremente seu vice e os ministros da mais alta corte de Justiça o que prevaleceria nesse caso seria a melhor hermêutica. Maduro, o vice de Chávez, continua no poder porque a maioria do grupo chavista assim o quis. O resto é parolagem.
Meu ponto aqui é outro. É discutir até que ponto é lícito ao mais alto mandatário da nação esconder da população seu real estado de saúde. Ou, em termos mais claros: até que ponto o direito à privacidade do cidadão Hugo Chávez pode afastar o dever que ele tem, como presidente, de informar à população venezuelana se está em condições de governá-la?
Que Chávez pode tratar-se em Cuba com médicos russos, ninguém discute. Poderia tratar-se em Macau com médicos neozelandeses e estaria no seu mais pleno direito de, como ser humano, escolher por quem quer ser tratado. Mas isso o cidadão Hugo Chávez. Quanto ao presidente da República Bolivariana da Venezuela, o papo é outro.
Como presidente, Chávez candidatou-se a mais um mandato. Dentro dos requisitos para desempenho do cargo está, obviamente, a capacidade física de exercê-lo. Na campanha, Chávez jurou de pé junto que o câncer que o acometia sumira. Muita gente boa achava que era conversa pra boi dormir, mas até aí ficou-se no entendimento de que os boatos sobre o estado terminal de seu câncer poderiam ser creditados ao calor da campanha. Hoje, não há mais quem acredite na balela de que a doença só voltou agora.
Muito provavelmente, Chávez manteve-se “na ativa” graças a doses maciças de remédios contra a dor e a uma quimioterapia light, destinada a evitar que o câncer o fulminasse antes mesmo de colhidos os votos das urnas. Fez isso de caso pensado, claro, pois sabia que seria um risco para ele e para seu grupo lançar outro candidato sem o mesmo apelo popular contra uma oposição unida. Esticou-se sua sobrevida apenas o suficiente para a reeleição. Después veremos, devem ter pensado os chavistas.
É possível que os mais otimistas chavistas tenham pensado que o estado de Chávez fosse reversível. No entanto, desde que Chávez foi para Cuba e saiu de cena, o que se produziu na Venezuela foi um pastiche. Lançaram à reeleição um sujeito que, quinze dias depois de eleito, teve de sair do país para tratar-se de uma doença letal sem que se informasse ao país quais as suas condições de saúde.
Para quem acusa a Venezuela de ser uma revivência tardia do regime soviético, trata-se de um prato cheio. Não custa lembrar que Leonid Brejnev ficou ‘gripado” por duas semanas até “subitamente” morrer de uma overdose de remédios.
Algumas perguntas que a boa democracia recomendaria que fossem trazidas à luz:
1 – Que tipo de câncer tem Hugo Chávez? Ele já entrou em metástase?
2 – A quais e a quantas intervenções foi submetido desde que foi para Cuba?
3 – O Presidente de Venezuela está ou não em coma? Se não está, por que não se apresentam fotos, documentos firmados ou mensagens de voz gravadas por ele?
4 – Chávez encontra-se ou não em estágio terminal? Se não estiver, qual a perspectiva de alta do paciente?
5 – Mesmo que se recupere do câncer, Chávez poderá reassumir o cargo?
Fazendo ouvidos de mercador e assentados na força das baionetas, os chavistas podem fingir que não escutam o ronco das ruas. Tudo bem. Faz parte do jogo. Para quem conduz uma farsa, quanto maior a encenação, melhor.
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