No mundo turístico, diz-se com freqüência – em jocoso, é claro – que toda pessoa deve conhecer Veneza antes que ela se acabe. Encravada numa laguna, rodeada de água por todos os lados, La Serenissima sofre há décadas com os efeitos da subida do nível do mar sobre suas construções. E, em tempos de l’acqua alta, boa parte da cidade fica literalmente debaixo d’água.
Mas, até certo ponto, o problema de Veneza é “resolvível”. Com alguns bilhões de euros, é possível construir um sistema de diques e comportas que permita controlar o nível da água, mantendo-o praticamente estável. É o que ocorre, por exemplo, em Amsterdam. Portanto, não precisa ficar desesperado. Mais hora, menos hora, quando você tiver tempo e dinheiro, ela estará lá, esperando-o.
No entanto, se você tem um remoto desejo de conhecer o Irã, sugiro que corra. Você tem pouco, muito pouco, pouquíssimo tempo para fazê-lo. E o tempo, aqui, não se conta em décadas. Nem sequer em anos. Contam-se em meses.
Já há alguns anos, o programa nuclear iraniano está na pauta da comunidade internacional. Para os americanos e os israelenses, não há dúvidas: os persas buscam uma arma atômica. Embora ostente uma retórica belicista, Mahmmoud Ahmadinejad nega; o Irã busca apenas dominar o ciclo atômico para fins pacíficos.
Em um post escrito no começo do ano, já alertava que, na opinião deste que vos escreve, era evidente que os iranianos buscavam a bomba. Ressaltei, contudo, que até as eleições presidenciais americanas em novembro, nada aconteceria com o regime dos aiatolás. Obama não quer se meter em outra guerra antes de assegurar four more years. Fora isso, a sociedade americana dificilmente apoiaria uma nova incursão militar depois do desastre que foi a invasão do Iraque e o desastre que está sendo a do Afeganistão.
Hoje, contudo, o maior problema do Irã chama-se Mitt Romney. Desde o último debate televisivo, o candidato com cara de azarão passou à frente nas pesquisas. Ao contrário de Obama, que vacila quando indagado sobre o que fazer sobre o Irã, Romney não tem papas na língua: vai atacá-lo, custe o que custar.
Isso quer dizer que se Obama for eleito os iranianos podem respirar aliviados?
Não. Eleja-se quem se eleger, os aiatolás serão emparedados: ou cedem em suas ambições nucleares, ou enfrentarão uma guerra. Contudo, com Obama as chances de uma saída diplomática ainda permanecem timidamente sobre a mesa. Obama com certeza guardará mágoas de Benjamin Netanyahu dessa campanha. Ele, que teve a ousadia de ser o único primeiro-ministro da história israelense a apoiar declaradamente um candidato em uma eleição presidencial americana, dificilmente terá trânsito fácil e recepção calorosa no Oval Office.
A despeito disso, a pressão do lobby pró-Israel nos Estados Unidos é enorme. E, por “lobby”, entenda-se: rios e rios de dinheiro. Apesar de boa parte dos judeus americanos estar despejando grana como se fosse adubo na campanha de Romney, mesmo a eventual eleição de Obama não os impedirá de continuar a exercer pressão sobre a Casa Branca, tentando convencê-la a atacar.
O problema de uma guerra contra o Irã é a proporção da empreitada. O Irã é uma das maiores forças militares do Oriente Médio. Boa parte da população apóia o regime dos aitaolás. E mesmo os que não apóiam ficariam do lado deles em uma incursão militar estrangeira. Se os americanos estão comendo o pão que Asmodeu amassou no Afeganistão, que era conduzido por líderes tribais semi-desarmados, imagina o que não aconteceria em uma eventual invasão ao Irã.
Fora as dificuldades militares, os americanos ainda enfrentariam um dilema. Não bastaria destruir as instalações e a capacidade militar do país, como aconteceu na primeira Guerra do Golfo. Eventualmente, essa capacidade seria reconstruída, e o Irã caminharia novamente, célere, em direção a uma arma atômica. Tampouco a comunidade internacional (leia-se: China e Rússia) aceitaria passivamente a instalação de um governo títere no lugar dos aiatolás, tal como aconteceu no Iraque.
A única alternativa que restaria seria uma guerra de destruição: letal, maciça e impiedosa. Coisa com a qual boa parte dos israelenses sonha. E que provoca calafrios no restante do mundo.
No caso do Irã, portanto, se correr, Romney pega. Se ficar, Obama come. Quem quiser conhecer o berço da civilização persa, corra. The clock’s sticking.