Quem assistiu à cerimônia do Oscar pôde ver a Academia fazendo justiça a uma de suas mais brilhantes atrizes: Meryl Streep. Em mais uma atuação impecável, ela ganhou a estatueta por sua interpretação de Margaret Thatcher, em A Dama de Ferro.
Verdade seja dita: o título do filme é uma rotunda propaganda enganosa. Fica-se com a impressão de que o filme tem um sentido histórico apurado, de retratar em seus detalhes o período de onze anos em que Thatcher hospedou-se no número 10 da Downing Street e ganhou o apelido que a marcaria para o resto da vida: Dama de Ferro.
Não, o filme não é sobre Thatcher primeira-ministra. É sobre uma velhinha que sofre de demência, remoendo a solidão da velhice, com a ausência de seu companheiro de vida e convivendo com a falta que os filhos lhe fazem. Por acaso, essa velhinha é Margaret Thatcher. Com isso, o filme até ganha em empatia, mas perde como cultura. Se quisessem, os produtores teriam à mão um prato cheio para fazer um filme verdadeiramente épico.
Thatcher subiu ao poder num período particularmente conturbado da história. O mundo estava no meio do Segundo Choque do Petróleo, causado pela Revolução Islâmica no Irã. A recessão batia à porta, enquanto a União Soviética preparava seu Vietnã no Afeganistão. Pra piorar, rumores nos bastidores davam conta do início da fase mais aguda de integração européia, algo que Thatcher considerava um erro. Isso no campo externo.
No campo interno, a inflação corroía os salários, a Libra perdia valor e os fortes sindicatos pressionavam por reajustes salariais destinados a repor as perdas inflacionárias. Se isso não fosse bastante, havia ainda um ativo IRA distribuindo bombas pelo país.
Foi nesse pano de fundo que a primeira mulher a ocupar o cargo de Primeiro-ministro da Grã-Bretanha assumiu.
Contra os problemas, Thatcher manuseava o único instrumento que aparentemente tinha à mão: o porrete. Quando um problema aparecia, entre compor amigavelmente e comprar a briga, Thatcher sempre preferiu baixar o cacete.
Contra a inflação e a libra fraca, adotou o clássico receituário liberal: cortou despesas, privatizou empresas e subiu os juros. Dois anos depois de assumir, o desemprego triplicara. A Inglaterra atravessava sua pior recessão desde a Depressão. Bancos e empresas quebraram aos milhares. E os trabalhadores saíam às ruas aos milhões para pedir um torniquete menos apertado.
Na política externa, uniu-se a Ronald Reagan e Helmut Köhl formando a trindade democrata-liberal a combater a União Soviética. Denunciou os desmandos soviéticos pelo mundo e suas inúmeras violações aos direitos humanos, dizendo que a URSS era um mal que precisava ser extirpado.
Contra os sindicatos, o porrete foi manuseado com gosto. Enfretou uma greve de mineiros – essenciais para o setor de energia britânico – por mais de um ano, sem abrir a mão em momento algum. Tornou ilegais as greves sindicais, obrigou os grevistas e escolher por sufrágio um líder para negociar antes de dar início a qualquer greve, e mandou banir qualquer estabelecimento comercial que viesse a aderir ao movimento paredista.
Com isso, quebrou a espinha dos sindicatos, e o movimento sindical britânico jamais viria a ser o mesmo.
Quando a Argentina invadiu as Malvinas, não se importou com as dificuldades logísticas e com o custo da guerra. Retomar o território perdido tornara-se uma questão de honra para a Dama de Ferro, mesmo sabendo que os argentinos contavam com mísseis Exocet (calcinha!) equipando seus aviões, e que tais mísseis fariam um severo estrago na Royal Navy. Fora isso, o teatro de operações tinha lugar a seis dias de barco de Portsmouth, e não havia na América do Sul nenhum país disposto a receber tropas britânicas para combater um guerra do Oitocentos.
Mas Thatcher pagou pra ver. Graças principalmente aos sucessivos erros dos hermanos na condução da guerra, o Reino Unido virou o jogo e acabou vencendo a batalha pelas Malvinas. Com isso, a popularidade de Thatcher foi às alturas, mesmo que a economia cambaleasse.
No final do governo, já sem uma guerra no exterior para salvar-lhe a popularidade, Thatcher acabou caindo por seus próprios erros. Insistia em aprofundar receitas liberais quando tudo que a população queria era um pouquinho mais de compaixão econômica.
Para a história, ficaria a imagem de uma líder severa, intransigente e austera. Firme nas convicções e nos propósitos, mesmo que parte deles se mostrasse equivocado. Para o povo britânico, restou uma economia em frangalhos, desindustrializada e com desemprego em alta. Para o resto do mundo, restabeleceu-se a credibilidade do Reino Unido como potência mundial, embora distante, muito distante do tempo em que era o Império onde o sol não se punha.
Nada disso é retratado no filme. Quando muito, as passagens históricas são lembranças que intermedeiam recordações pessoais.
Mesmo assim, para quem está interessado no entretenimento e não na história, Dama de Ferro é obrigatório. Menos pela personagem e mais por Meryl Streep que, sozinha, já vale qualquer filme.